Estado de exceção e reforma política* — OAB SP
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Não são poucos os que enxergam no Brasil atual um estado de exceção. Discordo, mas temo que caminhemos para tanto. Por ora, os Poderes da República, ao menos formalmente, mostram-se atuantes e independentes, cada qual em sua esfera de ação.
Problemáticas, contudo, são as escorregadelas aqui e ali para o campo alheio e outras atitudes pouco republicanas.
Ética é um conceito relativamente simples, mas simplicidade é um valor que poucos praticam. Não pega bem juiz e denunciado reunirem-se na calada da noite -trata-se de uma constatação simples, que deveria nortear o comportamento eticamente recomendável no caso. Tais casos ocorreriam excepcionalmente? Bem, o advérbio deriva do substantivo “exceção”.
Deixemos de lado o exemplo hipotético acima e partamos para outro. Não é de bom alvitre que procuradores ou juízes desfraldem bandeiras partidárias em redes sociais, nem em qualquer meio, principalmente num momento em que o partidarismo contamina boa parte das relações pessoais e institucionais no país.
Espera-se que não ajam como militantes aqueles que investigam ou julgam militantes. Ocorrem casos desse tipo? Sim, um aqui, outro ali, casos excepcionais (“excepcional”: adjetivo derivado do substantivo “exceção”).
No Estado brasileiro, que não é um estado de exceção, não se denuncia nem se julga a partir de preceitos morais. Claro, aqui prevalece o direito, salvo um ou outro momento em que o acusador não se contém e diz tudo o que pensa do acusado, de suas preferências, seus hábitos, seu linguajar, suas roupas. Excepcionalmente.
No Estado brasileiro, que não é de exceção, vez ou outra prisões preventivas alongam-se até que o réu resolva celebrar acordo de delação -mas esses são casos excepcionais.
Como o Estado brasileiro não é um estado de exceção, aqui não se propõem regressões antidemocráticas, como o fim do habeas corpus ou a aceitação de provas ilícitas nos processos. Claro, exceto quando em nome de uma meta elevada -o combate à corrupção, por exemplo.
Nesse ambiente de tanta excepcionalidade, mas ainda não de um estado de exceção, indaga-se: se foi tão árdua a luta por uma Constituição cidadã, por que tanta gente a ignora?
A partição das atribuições das instituições republicanas, a observância das respectivas esferas de ação dos Poderes, o apego ao conteúdo dos autos de processos, o respeito às prerrogativas da advocacia e a obrigatoriedade da presença do advogado em quaisquer instâncias legais -em contenciosos ou conciliações- não são penduricalhos jurídicos, mas avanços civilizatórios.
Repito o que tenho afirmado com frequência: comete grave erro quem vislumbra vencer a corrupção passando por cima do direito. Quem age assim costuma também ignorar que prejulgamentos morais não servem para embasar denúncias, ao menos nos Estados democráticos.
O bom combate à corrupção (não se pode analisar o Brasil sem falar dela), que levará essa praga definitivamente à lona, terá vez no ringue constitucional. Não há outro caminho.
Em termos práticos, caso a caso, é claro que ações policiais contundentes são fundamentais. Ninguém pede que se acoquem bandidos, muito menos que se relativize o crime: um político popular, se corrupto, é tão corrupto quanto o mais impopular dos políticos corruptos. Já destruir a corrupção em seu nascedouro exige um pouco mais de sutileza. A fonte originária deste mar de propinas em que o Brasil se afoga é o relacionamento entre políticos e seus financiadores eleitorais, é a existência de partidos de aluguel, é o notável desprezo com que os administradores públicos olham para a Lei de Licitações.
Não, não vivemos em um estado de exceção, mas em um Estado recheado de excepcionalidades, o que é quase a mesma coisa. Sem uma profunda reforma política, chegaremos lá rapidamente.
Fábio Romeu Canton Filho
Vice-presidente da OAB SP
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Advogado em São José do Rio Preto