Vigília constitucional: alterar a Carta Magna é muito diferente de violá-la* — OAB SP
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Palavras não são atos, mas proferidas por autoridades públicas geram ações e reações às vezes incontroláveis. 2018, ano do trigésimo aniversário da Constituição Federal, fatalmente será lembrado como aquele em que mais se agrediu verbalmente a Carta Magna, batizada Cidadã, em incontinências retóricas difíceis de serem explicadas depois. Palavras não são atos, dissemos, mas causam apreensão e recomendam vigília.
A campanha eleitoral configurou um desfile de discursos refratários à Constituição, como se o documento, que tanto avanço civilizatório trouxe ao Brasil, fosse o responsável pelas mazelas da classe política, em conchavos com parcela significativa do empresariado, como exposto pela operação “lava jato”.
Candidatos ou seus assessores esmeraram-se em propor bobagens como uma nova Assembleia Constituinte, intenção posteriormente negada. Chegou-se a aventar uma Constituinte composta de “notáveis”, ao arrepio do Parlamento – depois, negou-se tal intenção. Em outro momento bradou-se a “facilidade” de se fechar o Supremo Tribunal Federal – aqui, coube a justificativa do mero arroubo eleitoral (e que arroubo!).
Salvo os apegados a certos dogmas, todos concordam que o Brasil carece de reformas, principalmente as econômicas. A Previdência Social caminha de déficit em déficit para o colapso? Que o Executivo e o Legislativo, ouvidas as entidades representativas da sociedade civil, cuidem de reformá-la, se necessário modificando-se a Constituição mediante a liturgia que a própria Constituição determina. Alterar a Carta, a bem dos novos tempos, é muito diferente de violá-la.
Temos de ser claros, portanto, quando cobramos respeito à Constituição Cidadã. O que não pode ser relativizado? Ora, não aceitamos que sejam sequer cogitadas revogações de avanços civilizatórios conquistados a duras penas, os quais se encontram descritos em cláusulas pétreas – nestas é que reside o valor humanístico inegociável da nossa Carta, situado muito acima de bandeiras da esquerda ou da direita.
Aceite, leitor, uma pequena provocação.
A seguir, citaremos alguns itens do Artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros. Ao percorrê-los, tente lembrar-se de alguma palavra ou ato que os contrariou durante a última campanha eleitoral, ou mesmo nos embates retóricos dos últimos quatro anos:
– ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
– é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
– é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
– todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
– é garantido o direito de propriedade; a propriedade atenderá a sua função social; a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
– a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei;
– constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático.
Para cada item, poderíamos apontar uma manifestação política recente que o contrarie frontalmente. E não falamos do saudável debate popular tão frequente nos lares, nos clubes e nos bares. Falamos de gente que sobe a tribunas legislativas ou busca microfones de amplo alcance e redes sociais para disseminar um indisfarçável desejo de afrontar a Constituição e desprezar os Direitos Humanos com o espírito saudoso dos tempos de obscurantismo.
Como tudo parece ser expectativa neste momento, é hora de a sociedade não se portar como mera expectadora. Entidades de classe, associações, instâncias legislativas e organizações das mais diversas naturezas devem manter-se em alerta permanente contra qualquer sinal de ruptura constitucional. A vigília constitucional é papel de cada um de nós, cidadãos brasileiros.
Fábio Romeu Canton Filho*
Vice-presidente da OAB SP
Artigo originalmente publicado no site ConJur: https://www.conjur.com.br/
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Advogado em São José do Rio Preto