Possível revisão de delação mostra falta de critérios de acordos
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A operação “lava jato” tem como principal pilar uma avalanche de delações premiadas de políticos e ex-executivos de empreiteiras e da Petrobras. Agora, com a possível revisão da colaboração de Joesley Batista, anunciada por Rodrigo Janot, a falta de critérios objetivos para definir o que pode ser na negociação entre delatores e Ministério Público volta a ser o centro de discussões.
No caso de Joesley, dono da JBS, a “flecha” que o Ministério Público Federal lançou contra o presidente Michel Temer — gravado escondido pelo empresário — virou um bumerangue, atingindo a própria PGR. A revelação de que Batista e Ricardo Saud, lobista da JBS, omitiram informações em suas delações fez Janot anunciar uma investigação sobre a atuação de seu ex-auxiliar, Marcelo Miller. Pelas gravações, Miller parece vender acesso a Janot.
Se houver revisão dos benefícios concedidos pelo MPF aos delatores tanto por eles terem omitido informações relevantes quanto por eles terem sido orientados por Miller antes de efetuarem as gravações, as denúncias que quase afastaram Temer do poder vão ser reconhecidas como parciais pelo próprio MP.
Essa sempre foi uma crítica do criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, advogado de Temer, ao instituto da delação premiada. Segundo ele, o uso excessivo e desmedido de delações premiadas no Brasil empobrece o Direito aqui praticado, ao criar uma espécie de processo penal delacional.
Reportagem da ConJur já apontou que diversas cláusulas dos acordos firmados entre investigados e MPF são ilegais e inconstitucionais.
Para Mariz, como o instituto é estrangeiro e foi incorporado de maneira açodada no país, atenta contra preceitos constitucionais, entre eles, princípio do juiz natural da causa, contraditório e ampla defesa. “Isso tudo, em menos de dez anos, está sendo colocado de lado”. As práticas, diz, deixam o país “órfão de defesa”.
Outro exemplo desse descontrole em relação aos pesos e medidas entre o conteúdo da delação e os benefícios concedidos pode ser visto nas denúncias feitas pelo ex-senador Delcídio do Amaral, cassado pelo Senado após ser preso acusado de obstrução da Justiça por tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.
Recentemente, a PGR pediu a anulação dos benefícios concedidos a Delcídio, que teria mentido na delação, e a absolvição de quem foi acusado por ele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de André Esteves, que à época da denúncia era executivo do BTG Pactual. O banco, inclusive, perdeu valor de mercado por uma informação que agora parece ser inverídica, segundo a própria PGR.
Além de Lula, também foram acusados por obstrução de Justiça a ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Marcelo Navarro e o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Os citados por Delcídio foram apontados pelo delator como participantes de um esquema para liberar empreiteiros.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o advogado Figueiredo Basto, conhecido por atuar em delações e ter 20 clientes na “lava jato”, afirmou que a escolha de delações e a falta de dosimetria nos benefícios a delatores privilegiam empresas maiores e réus mais poderosos.
“Temos que aprender a graduar as contribuições de acordo com seu valor, e não negá-las. Hoje o que acontece é que quando o MPF escolhe determinadas empresas ou pessoas para fazer a delação, privilegia os maiores e prejudica menores.”
Basto disse ainda que é preciso estar atento às práticas da operação, pois nem todas são adequadas, e que as críticas às investigações não podem ser levadas de maneira inquisitória. “Criticar uma operação é bem diferente de obstruí-la.”
Orientação clara
Notícia da ConJur mostrou que o Ministério Público tem direcionado delações para comprometer ministros do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça. “Oferecer liberdade para quem pode ficar até vinte anos na cadeia é atrativo suficiente para isso e muito mais, naturalmente. A queda de braço entre os justiceiros e os tribunais superiores não é nova. Mas a desenvoltura dos atacantes é cada vez maior, já que agora eles podem fuzilar os ministros do STJ e do STF.”
Esse modelo de pressão da operação “lava jato” também já foi criticado pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. Ele afirmou, em entrevista à ConJur, que a investigação sobre desvios na Petrobras “se fragiliza no momento em que passa batido em cima de princípios civilizatórios do processo penal, como a presunção de inocência, o princípio de que a prova deverá ser obtida de boa fé – ou seja, você não pode forçar ninguém a dizer o que não quer dizer –, o princípio de que a Justiça agirá com comedimento e descrição”.
“Afinal de contas, a Justiça não uma novela mexicana para oferecer a cada semana um novo capítulo. Tudo isso depõe contra o Ministério Público. Eu chamaria isso até de falta de profissionalismo, esses vazamentos direcionados em momentos críticos para a política nacional. E isso com a desculpa de que está tudo podre, de que tudo que ser trocado”, opinou.
Diga-me o que quero escutar
Segundo a lei, as colaborações deveriam ser espontâneas, mas a de Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht, foi negada pelos procuradores da “lava jato”, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, por supostamente “proteger” o ex-presidente Lula.
“Reservadamente, Alencar tem relatado que um dos fatores que incomodaram os procuradores, por exemplo, foi insistir que Lula, de fato, fez as palestras pagas pela Odebrecht”, diz trecho da notícia. “O sítio de Atibaia (SP) é outro ponto de atrito. O ex-executivo afirma que o valor de R$ 1 milhão gasto em benfeitorias pela Odebrecht na propriedade frequentada por Lula foi um agrado pela atuação do petista a favor do grupo baiano, e não uma contrapartida a determinados contratos com o governo federal”, diz a notícia.
Léo Pinheiro, da OAS, também enfrentou situação similar com a PGR, segundo reportagem da Carta Capital. Diz a revista que o ex-presidente da OAS, condenado a mais de 26 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, teria mudado seu depoimento para conseguir fechar o acordo de delação.
“A sugestão teria ocorrido em uma conversa em 2014, dois meses após o início da operação ‘lava jato’. Lula, diz o empreiteiro, quis saber se a OAS pagava propina ao partido no Brasil e no exterior. Ao saber que os pagamentos seriam feitos no país, sugeriu a destruição de provas”, detalha a revista.
A denúncia envolvendo a senadora Gleisi Hoffmann e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, já recebida pelo Supremo Tribunal Federal, também parece se encaixar nesse contexto. Os dois são acusados de receber dinheiro desviado da Petrobras por meio de empreiteiras.
O advogado da senadora, Rodrigo Mudrovitsch, afirmou na época do recebimento da acusação pelo STF, que a denúncia se baseou nas delações premiadas de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, mas os depoimentos dos dois são contraditórios em diversos momentos, por exemplo, em relação a quem fez o pedido de dinheiro em nome da senadora e a quem foi entregue a quantia.
Por causa das contradições, Mudrovitsch contou que a PGR fez acareações entre os delatores, mas, nesses momentos, os procuradores teriam combinado uma versão única para as delações. A advogada de Paulo Bernardo, Verônica Sterman, chancelou a versão de Mudrovitsch, afirmando que as versões foram mudando a cada pedido de acareação. Ela disse que, ao todo, foram sete versões sobre como o dinheiro foi pago, envolvendo cinco pessoas diferentes.
Também pairam suspeitas sobre a delação de Cerveró. Em depoimento, o ex-diretor da Petrobras disse que seu filho gravou a reunião que teve com Delcídio para tratar de um suposto plano de fuga do Brasil por “sugestão do próprio procurador”. Logo depois de afirmar isso, ele trocou olhares com seus advogados e mudou a versão, dizendo então que foi apenas alertado pelo procurador de que a acusação contra o ex-senador por obstrução à Justiça não teria validade sem provas.
Inimigo íntimo
Marcelo Miller é outro ponto de conflito dentro da PGR. Investigado por sua atuação no acordo de delação firmado pela JBS, ele é apontado nos áudios entregues à Polícia Federal, mas gravados por acidente, como uma ponte para facilitar acordos com a PGR. O procurador foi auxiliar direto de Janot, que agora passará a investigá-lo.
Fontes ouvidas pela ConJur confirmam que Miller é considerado um facilitador para negociações de delações com a PGR. Isso porque, a partir dele, são puladas etapas, por exemplo, agendamento de conversas e apresentação dos fatos primeiro ao Ministério Público Federal para depois serem analisados pela Procuradoria-Geral.
No áudio recente de Joesley Batista, o empresário conversa com Ricardo Saud sobre a atuação de Miller. Saud conta que um amigo em comum com Janot o avisou que o procurador-geral não iria disputar um segundo mandato para atuar na iniciativa privada e que Marcelo Miller estava se preparando para deixar o MPF e abrir um escritório de advocacia com outro procurador, de nome Christian.
“Janot vai sair e vai advogar com esse mesmo escritório. Mesmo escritório que ele [amigo em comum] está hoje”, diz Saud. “Tão fazendo um puta escritório, um puta escritório. Nada meia boca, não. É que eu entendi que ele [Marcelo Miller] já foi para esse escritório, já largou, porque o Janot já… Com esse Christian aí, que diz que é um cara top, novinho”, diz o lobista.
Horas depois da divulgação do áudio, os empresários mandaram um comunicado para a imprensa dizendo: “O que nós falamos não é verdade”.
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Advogado em São José do Rio Preto