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“Lava jato” acelera discussão sobre crimes de pessoas jurídicas

Advogado em Rio Preto | Amorim Assessoria Jurídica > ADI  > “Lava jato” acelera discussão sobre crimes de pessoas jurídicas

“Lava jato” acelera discussão sobre crimes de pessoas jurídicas

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Os eventos que cercam a operação “lava jato”, como a intensa cobertura jornalística, a diversidade de precedentes judiciais impactantes gerados e a quantidade de acordos de leniência e colaboração premiada firmados, todos envolvendo grupos empresariais relevantes na economia nacional, trouxe ao centro do debate jurídico um fenômeno relativamente recente, porém significativo: o acelerado desenvolvimento da política de combate a práticas ilícitas perpetradas por agentes econômicos, sobretudo aqueles de porte elevado.

Se antes a persecução sancionatória (seja ela administrativa ou penal) estava majoritariamente confinada a indivíduos, a ponto de se criar uma certa aura de intocabilidade àqueles entes, a tendência atual é de naturalização da imputação de responsabilidade – e, por consequência, da atribuição de penas – às pessoas jurídicas em si.

A pluralidade de acordos de leniência multimilionários pactuados na “lava jato”, a evolução da legislação de defesa da concorrência, a introdução da lei anticorrupção no direito brasileiro e a modernização dos processos administrativos sancionatórios do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (pretendida com a edição da Medida Provisória 784/2017) apontam, indubitavelmente, que essa disposição veio para ficar.

De fato, o quadro observado no Brasil, nessa área, é resultante de uma tendência mais geral, observada internacionalmente, e que tem ganhado tração principalmente a partir da experiência norte-americana.

Desde a edição do FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), em 1977, uma pletora de legislações, convenções internacionais e políticas públicas – globalmente coordenadas em foros como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) – tem dado impulso crescente ao fenômeno.

O desenvolvimento desse cenário e sua perenidade parece irreversível. O aceleramento da globalização econômica, particularmente experimentado desde os anos 1990, deu às grandes corporações uma posição de centralidade na vida contemporânea, motivando uma compreensível preocupação com a dimensão dos danos provocados por deslizes cometidos.

Adicionalmente, tendeu a tornar a punição direta das pessoas jurídicas um requisito de aplicação da justiça, pois sua proximidade as distingue como entes independentes, com obrigações morais discerníveis, distintas dos indivíduos que a compõem.

Contudo, suas peculiaridades têm consequências operacionais importantes no campo jurídico.

Ao contrário da pessoa natural, que tem uma consciência para a qual as normas jurídicas tradicionalmente criaram regras de sondagem – como os conceitos de culpa e dolo –, a pessoa jurídica é empreendimento coletivo, metafísico, cujo elemento volitivo, por exemplo, é, naturalmente, de mais complicada detecção.

Acrescentando camada de complexidade, os atos ilícitos por elas praticados, em geral, buscam vantagem econômica, que, por outro lado, é o objetivo último, legítimo, da sua existência, o que torna a diferenciação entre o ato praticado com fundamento antijurídico daquele regular ainda mais custosa.

Os danos provocados pelas infrações, por sua vez, muitas vezes têm natureza estritamente econômica, imaterial, impedindo a identificação inequívoca de um “corpo de delito”.

A resposta normativa e jurisprudencial encontrada para essas complicações foi a objetivação da responsabilidade, com o afastamento, direto ou indireto, da noção de culpa, assim como a definição do ilícito a partir de seus resultados ou efeitos, sendo estes últimos, frequentemente, meramente especulados ou presumidos.

Nesse contexto, nos Estados Unidos, por exemplo, a imputação de responsabilidade criminal à empresa pelos atos de seus empregados – indispensável dado o caráter abstrato do ente jurídico – passa pela sondagem do estado mental do representante em questão ou pela tentativa de compreensão do conhecimento coletivo dos funcionários. No limite, não se considera aceitáveis, inclusive, defesas que arguam que os atos foram praticados sem autorização da direção da companhia ou que a conduta é vedada pelas normas internas e até mesmo proibida pelos supervisores diretos.

Esse alargamento das hipóteses de imputação de responsabilidade, amplamente observável em diversos ramos do direito sancionatório (para sanar qualquer dúvida, basta ler a recentíssima MPV 784/2017, quando estatui algumas infrações no setor financeiro), representa grande responsabilidade para empresas e órgãos de controle: (i) para as empresas, porque devem se cercar de redobrados cuidados para se movimentar em um ambiente regulatório complexo e indefinido; (ii) para os órgãos de controle, porque a necessária ambiguidade das regras de imputação os coloca na delicada posição de construir precedentes que sejam úteis na repressão sem, no entanto, provocar imprevisibilidade nociva ou arbitrariedades.

Foi a partir dessa conjuntura que ferramentas de solução negociada de investigações ganharam fôlego. Acordos de Leniência, Colaborações Premiadas, Deferred Prosecution Agreements (DPAs), Non Prosecution Agreements (NPAs), Plea Agreements, Consent Decrees, Termos de Compromisso etc., integraram-se confortavelmente à paisagem do direito sancionador.

A saída negociada engloba atrativos para ambas as partes: soluciona o dilema estatal de conduzir uma investigação complicada, custosa e com difíceis chances de sucesso, e, ao mesmo tempo, permite ao setor privado minimizar os custos, econômicos e reputacionais, de carregamento de uma investigação ou processo sancionatório, além de seguir em frente com suas atividades normais em um intervalo de tempo hábil.

A aproximação entre Estado e investigado proporcionada pela colaboração semeou o aparecimento de outros instrumentos hoje igualmente influentes.

Os agora conhecidos programas de compliance representam, nesse ambiente, uma tentativa das pessoas jurídicas de prevenir ou mitigar a ocorrência e os efeitos de ilícitos que, muitas vezes, podem ser deflagrados pela conduta de poucos funcionários, em universos de colaboradores que usualmente superam a casa dos milhares.

Para o Estado, o compliance, quando previamente constituído, significa um compartilhamento do encargo de fiscalizar o cumprimento das leis, e, quando imposto a posteriori, por acordo ou decisão condenatória, uma aposta de que a reincidência será menos provável.

No mesmo espírito, também se destaca a figura do monitor independente. Por este mecanismo, a empresa investigada custeia a contratação de agentes pré-aprovados pelos investigadores – e com deveres fiduciários a estes vinculados – para que obrigações assumidas em acordos sejam monitoradas no dia a dia da companhia por um terceiro com um grau de independência elevado.

Tal qual o programa de compliance, o monitor independente terceiriza algumas obrigações estatais e confere estabilidade e previsibilidade, ao particular e ao Estado, no curso da execução de acordos que, muitas vezes, possuem condições de cumprimento de alta complexidade, que requerem, não raramente, nível de especialização considerável.

Esse estado de desenvolvimento da aplicação do direito sancionatório, contudo, ainda que reconhecidos os seus numerosos méritos, tem suscitado alguns questionamentos que merecem atenção.

Nos Estados Unidos, desde 1999, cinco memorandos do Departamento de Justiça, começando no chamado Holder Momerandum e culminando, em 2015, no cognominado Yates Memorandum, tratam das diretrizes da política de persecução criminal naquele país. Estes documentos são representativos do processo de destilação, ainda em curso, de tormentosas questões que recaem sobre o tema como um todo.

Dois pontos, nesse sentido, requerem especial cautela.

O primeiro deles é a decisão sobre em que medida – e em quais circunstâncias e por meio de quais métodos – a política sancionatória deve se voltar contra a empresa, seus executivos, ou ambos.

O segundo, é até onde – e com qual vigor – a persecução deve ser engendrada e, se e quando, os investigadores devem levar em consideração os danos que o processo pode provocar a acionistas e funcionários inocentes e ao bom funcionamento da economia em geral, caso a companhia sofra prejuízos consideráveis diretamente relacionados à investigação.

Por consequência, muito se questiona se a estrutura de incentivos para adoção da solução negociada não estaria pervertendo o mecanismo dos acordos.

Nessa linha de raciocínio, para a empresa, os custos de carregamento do processo seriam tão altos e os benefícios dos acordos tão imediatamente fruíveis, que estas estariam demasiadamente suscetíveis a assumir obrigações excessivas apenas para evitar um processo mais longo.

Os investigadores, em reverso, estariam detentores de poder de barganha substancial, o que pode gerar distorções no processo de aplicação da justiça sancionatória, especialmente pelo agravamento das consequências de falhas estruturais, que, embora se acredite raras, não são menos perniciosas, como ambições políticas de servidores públicos, déficits de formação técnica ou de conhecimento sobre os setores econômicos afetados etc.

Por razões semelhantes, os impactos da adoção do monitor independente vêm sendo examinados mais detalhadamente, com indagações sendo feitas sobre qual seria o ponto de equilíbrio na fixação de suas atribuições, para que se evite que o mesmo desempenhe papel meramente figurativo ou, ao contrário, ganhe ares de verdadeiro interventor na empresa monitorada.

Por fim, questiona-se, também, se a aplicação agressiva de uma política de acordos não estaria subtraindo do processo democrático um elemento importante de afirmação da justiça: o estabelecimento de precedentes judiciais, formados após processo exauriente, que representem, melhor do que acordos entabulados entre duas partes, o adequado entendimento social sobre a gravidade de determinadas condutas.

Todas as questões aqui levantadas estão em franco processo de debate entre membros da academia, formuladores de políticas públicas, integrantes do poder judiciário, do aparato investigatório, do legislativo, além de advogados e empresas, em todos os países civilizados. Espera-se, com este artigo, oferecer uma contribuição, ainda que modesta, à organização da discussão, que, acredita-se, será adequadamente encaminhada em nossa sociedade.

Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch é doutor em Direito Constitucional pela USP, mestre em Direito Constitucional pela UnB, professor de Direito Público e sócio-fundador do escritório Mudrovitsch Advogados.

Victor Santos Rufino é professor do IDP, pós-graduado em Direito da Concorrência pela FGV/SP e mestre em Direito
Econômico pela UnB.

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Advogado em São José do Rio Preto

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