Cleide Pompermaier: Reforma tributária retira o brio dos municípios
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As discussões sobre a reforma tributária são sempre muito acaloradas e muitas categorias se mobilizam para debater sobre o grande tema dessa natureza, assunto esse, aliás, que deveria interessar toda a população brasileira porque a receita tributária é o cérebro e o coração da sociedade.
O relator da proposta de reforma tributária, deputado Luiz Carlos Hauly, a qual está em vias de ser votada, baseou-se no modelo europeu, sugerindo a criação do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que substituirá o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o PIS, o Pasep, a Cofins, a Cide-Combustíveis, todos tributos federais; o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual, e o Imposto sobre Serviços (ISS), que é municipal. Além disso, o Salário-Educação seria extinto.[1]
Os tributos são o necessário suporte da despesa pública como principal instrumento estrutural da economia de um país. Uma boa política fiscal se apóia em leis modernas, que se conduzidas em modo ordenado, representa uma ótima via para se obter as bases para o impulso da economia.
As bases dessa reforma precisam estar alicerçadas num equilibrado ônus tributário, numa simplificação tributária em que o contribuinte possa entender claramente o porquê da incidência do imposto e por qual motivo deve pagá-lo e, de outra parte uma simplificação capaz de fazer com que o Estado se articule para o fim de implantar um sistema impositivo e, ao mesmo tempo, com vistas a Política Econômica. Necessita, obviamente, de maior eficiência nas administrações tributárias e, finalmente, de programas que visem a eliminação progressiva dos obstáculos e burocracias de ordem fiscal.
Com todo o respeito ao deputado Luiz Carlos Hauly não é o que se percebe em sua proposta, a qual se preocupou apenas na simplificação pura e simples, requisito esse que, se não somado aos demais, deixa de fazer qualquer sentido.
Ademais disso, a proposta de reforma tributária, nos moldes apresentados com a extinção do ISS, em nosso entendimento, é inconstitucional porque ofende o princípio federativo, sendo uma das cláusulas pétreas de nosso sistema constitucional. Explica-se: no modelo político adotado pelo Brasil na Carta Magna, qual seja o federalismo, os entes federados têm autonomia financeira, política e administrativa, havendo repartição de competência entre as esferas de Governo, que compreendem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Essa autonomia dada pelo Código Magno não pode ser objeto de deliberação porque se trata de medida tendente a abolir a forma federativa de Estado. É o que se depreende do artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal, a qual dispõe que:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
A criação do Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA), nos termos propostos pelo deputado Hauli viola profundamente a parte imodificável da Constituição Federal, porque afeta diretamente a autonomia dos municípios brasileiros, autonomia que foi alcançada em sua forma plena com a Constituição de 1988.
A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, dá a eles competências das quais se depreende a tributária, como forma de obtenção dos recursos financeiros para cumprimento de suas metas.
Ora, uma das bases maiores da autonomia dos municípios provém de suas receitas próprias. A arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) é hoje a maior responsável pelo desenvolvimento econômico das grandes cidades brasileiras. É o imposto que deu certo. Retirar essa graúda parcela da receita própria dos municípios é retirar, obviamente, a sua autonomia de tributar, nos moldes que lhe foi conferida pela Carta Maior, em seu artigo 156, inciso III, o que vem a violar o artigo 60 § 4º, inciso I, da Constituição Federal.
O ISS é a marca dos municípios. É a grife. É cool. E tanto isso é verdade que a Lei Complementar 157/2016 trouxe modificações profundas nos aspectos material e espacial, os quais trarão muitos benefícios aos mesmos, que, consequentemente, passarão a arrecadar mais a partir do dia 1º de janeiro de 2018.
A importância do ISS é tão significativa que, com o advento da EC 42/2003, os municípios passaram a ter autonomia, também em relação a investimentos na modernização das estruturas fazendárias e, no mesmo comando Constitucional (artigo 37, inciso XXII), houve a inserção dos Auditores Tributários e os Procuradores, das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal) como Carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento, conforme se observa do dispositivo abaixo transcrito:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)
(…)
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos MUNICÍPIOS, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003). (Grifos nossos).
Nesse diapasão, é forçoso dizer que a adoção de um novo sistema tributário da forma como vem sendo apresentado é um verdadeiro retrocesso para os municípios, que tanto lutaram para chegar a alçada de verdadeiro Ente Federado. A principal receita tributária dos grandes municípios é que dá a ele o status de autonomia financeira e sem liberdade nesse campo não há ente federado. Nenhuma autonomia política e administrativa se sustenta sem a financeira.
Por óbvio que deixar os municípios somente com os tributos sobre a propriedade é insuficiente para deixá-los na condição de ente independente financeiramente. Deixá-los, igualmente, nas mãos da União e dos Estados para receber o que de direito pela via dos repasses também não é o melhor dos mundos, posto que representa uma ingerência incompatível com o modelo federativo, donde se conclui que há ofensa da cláusula pétrea inserida no artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal.
O pacto federativo permite que os municípios possam instituir e arrecadar seus próprios tributos, podendo destinar tais verbas da melhor forma que lhes aprouver, satisfazendo, assim, as necessidades de seu povo. Empobrecer o município, fazendo com que o mesmo perca o seu status e a sua autonomia na arrecadação do ISS como quer o deputado Hauly, é voltar aos tempos em que os municípios dependiam única e exclusivamente dos estados e da União.
A forma adotada pelo Estado brasileiro somente pode ser desfeita por um novo processo constituinte. Uma nova Constituição e não somente com uma emenda à Constituição Federal. Não se retira de um ente federado o seu poder de uma hora para outra, como querem fazer com a reforma tributária. A retirada do ISS para colocá-lo com outra roupagem nas mãos do Estado é ultrajante, mesmo havendo obrigação no repasse das parcelas da verba assim obtida para os municípios.
A verdade está em dizer que o município, com a aprovação da reforma como está pautada, perde o seu brio, a sua hombridade e a sua razão de ser. Volta a ser o patinho feio do Sistema Tributário Nacional, o primo pobre da Federação, que se quebra em face do enfraquecimento desses Entes Federados.
E não se diga que a medida não acaba com o modelo federativo, havendo quando muito um retrocesso existencial dos municípios. Acaba sim. Esses mais de 5 mil entes federados devem se sustentar e realizar atividades para dar guarida às necessidades básicas de uma população. Devem fazê-lo com autoridade e poder. Retirar o ISS da competência dos municípios é retirar o Poder do gestor público municipal, que será obrigado a mendigar a parcela que lhe é devida. É deixar o município à margem.
O respeito da União e dos estados para com os prefeitos municipais e para com os municípios em si, já não é algo que se desenha de forma natural, imagine-se então se esses deverão depender quase que totalmente da entrega do produto da arrecadação para fazer frente as suas necessidades. Perder poder é perder tudo. Sem o ISS não haverá mais a autonomia dos municípios, os quais já não estarão mais em pé de igualdade com os demais entes federados.
Isso sem adentrar na questão da cobrança da dívida ativa. Ou seja, os municípios, com a aprovação da reforma tributária, mais uma vez, ficarão à mercê dos Estados para a entrega do produto da arrecadação, como ocorre hoje em relação à parcela do produto do ICMS que lhe cabe, sendo este um calvário para os mesmos, nunca sabendo se o que estão lhe entregando é o que realmente deveria lhe ser entregue.
Estamos vivendo tempos ruins. Tempos anormais, diga-se de passagem. Tempos de crise existencial de nosso pátria. Não é possível que em meio a tudo isso, ainda permitamos que sejam os municípios os mais afetados com a reforma a ponto de perderem a sua real identidade. Não podemos deixar que a forma federativa se perca num caminho sem volta, depois de tanto esforço feito pelos mesmos para alcançarem o patamar a que conseguiram chegar.
De nada adianta uma hipotética simplificação tributária se essa medida já chega com uma forte mácula na Constituição Federal. Como já se disse acima, uma reforma tributária, para ser eficaz deve ser moderna e conduzida em modo ordenado, o que levará a uma ótima via para se obter as bases para o impulso da economia.
Sim Senhores. A reforma é inconstitucional!
Cleide Regina Furlani Pompermaier é procuradora do município de Blumenau, membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal, membro do Conselho de Contribuintes do Município de Blumenau, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Município de Blumenau – CMDES, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
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Advogado em São José do Rio Preto