Cabe só ao Judiciário analisar efetividade de colaboração premiada
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O instituto da colaboração premiada, embora já constasse em diversos diplomas legislativos pátrios, passou a ganhar destaque ao ser amplamente disciplinado pela Lei 12.850/2013, que “define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.”
O conceito de organização criminosa, de difícil aceitação pela doutrina, tendo em vista a inexistência de uma concepção unívoca, apresenta alguns elementos que lhe são característicos, os quais podemos indicar: associação de pessoas; divisão de tarefas; objetivo econômico; e a prática de infrações graves.
Tais características estão presentes na maioria dos conceitos de organização criminosa existentes na doutrina. Guaracy Mingardi[1], ao tratar do tema, aponta como características das organizações criminosas: previsão de lucros, hierarquia, divisão de trabalho, ligação com órgãos estatais, planejamento das atividades e delimitação da área de atuação. O autor estabelece ainda uma divisão em dois modelos: a organização criminosa tradicional ou territorial e a empresarial. Antonio Scarance Fernandes[2] estabelece três correntes doutrinárias que buscam conceituar o crime organizado: a primeira, que tenta definir o conceito de organização criminosa e crime organizado seria todo aquele praticado por essa modalidade de organização; a segunda, que define os elementos essenciais do crime organizado, sem especificar os tipos penais; e a terceira, que estabelece um rol de tipos penais, qualificando-os como crime organizado.
A principal característica da Lei n° 12.850/13 foi ter disciplinado a utilização de diversos meios de obtenção de prova, entre eles a colaboração premiada, conforme dispõe o artigo 3° da Lei.
De forma sintética, é possível resumir a colaboração premiada como um meio de obtenção de prova, com a devida regulação em lei, que implica uma confissão que se estende aos coautores e partícipes e tem como pressuposto a renúncia ao direito ao silêncio, implicando, por outro lado, na perspectiva premial, o recebimento de benefícios por parte do Estado. Diversas são as conceituações apresentadas pela doutrina, conforme se pode observar adiante.
Para Mario Sérgio Sobrinho[3], a colaboração premiada é o meio de prova pelo qual o investigado ou acusado, ao prestar suas declarações, coopera com a atividade investigativa, confessando crimes e indicando a atuação de terceiros envolvidos com a prática delitiva, de sorte a alterar o resultado das investigações em troca de benefícios processuais. Já para Sérgio Fernando Moro[4],
“A delação premiada consiste, em síntese, na utilização de um criminoso como testemunha contra seus cúmplices. Sua colaboração pode ser utilizada para que ele deponha em juízo como testemunha contra seus pares ou apenas para que sirva de fonte de informação para a colheita de outras provas.”
Ainda tratando do tema, Walter Barbosa Bittar define o instituto como um “instituto de Direito Penal que garante ao investigado, indiciado, acusado ou condenado, um prêmio, redução podendo chegar até a liberação da pena, pela sua confissão e ajudar nos procedimentos persecutórios, prestada de forma voluntária”[5]
Eduardo Araújo da Silva, ao tratar da colaboração, divide o instituto em dois momentos. Segundo o autor:
a colaboração premiada, também denominada de cooperação processual (processo cooperativo), ocorre quando o acusado, ainda na fase de investigação criminal, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia na sua atividade de recolher provas contra os demais coautores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).[6]
Para Renato Brasileiro de Lima[7] trata-se de:
“Espécie do Direito Premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.”
Já no magistério de Gustavo dos Reis Gazzola[8]:
“Conceitua-se, portanto, delação premiada, como um negócio jurídico bilateral consistente em declaração oral, reduzida a escrito, pessoal, expressa e voluntária do investigado ou acusado perante a autoridade a quem informa sobre a possibilidade de terceiro partícipe ou co-autor na prática de infração penal e, em retribuição, pode receber, mediante decisão judicial, na seara penal, a extinção da punibilidade ou abrandamento das sanções, e, na processual penal, a exclusão do processo ou medidas persecutórias mais brandas.”
Para Edilson Mougenot Bonfim, “é o benefício que se concede ao réu confesso, reduzindo-lhe ou até isentando-lhe de pena, quando denuncia um ou mais envolvidos na mesma prática criminosa a que responde”[9]
Luiz Flávio Gomes diferencia delação de colaboração:
“Não se pode confundir delação premiada com colaboração premiada. Esta é mais abrangente. O colaborador da justiça pode assumir a culpa e não incriminar outras pessoas (nesse caso, é só colaborador). Pode, de outro lado, assumir a culpa (confessar) e delatar outras pessoas (nessa hipótese é que se fala em delação premiada). Em outras palavras: a delação premiada é uma das formas de colaboração com a justiça.”[10]
Entendemos que a colaboração processual é um fenômeno amplo e que indica qualquer ato praticado pelo réu ou investigado que tenha como objetivo efetivo colaborar com a investigação criminal. Acrescendo-se o termo premiada, temos a concessão de algum benefício em troca dessa colaboração. A colaboração pode ou não implicar em delação, pois, conforme previsto no artigo 4° do diploma legal em referência, esta é apenas um de seus objetivos: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
A lei aponta, portanto, ao tratar desses objetivos, os elementos que devem ser considerados para se auferir sua efetividade, o que poderá garantir ao colaborador o gozo dos benefícios pactuados. Diversos são os princípios e regras a serem observados em relação ao instituto da colaboração premiada. Entre as posições manifestadas na doutrina, Sergio Fernando Moro aponta duas regras, a corroboração e a escalada:
Concordar com a necessidade de utilização deste método não significa que não devam ser observadas regras em seu emprego. Destacam-se aqui duas regras fundamentais. Diante da reduzida confiabilidade da palavra de um criminoso, a regra número um é assim denominada “regra da corroboração”. O depoimento do delator deve encontrar apoio em provas independentes. Não havendo estas, não se justifica a condenação e, rigorosamente, nem sequer a acusação. A regra número dois é a de que o método deve ser empregado para permitir a escalada da investigação e da persecução na hierarquia da atividade criminosa. Faz-se um acordo com um criminoso pequeno para obter prova contra o grande criminoso ou com um grande criminoso para lograr prova contra vários outros grandes criminosos, obtendo uma espécie de efeito “dominó”.[11]
A Lei 12.850/2013 logrou disciplinar de maneira bastante exaustiva o instituto da colaboração premiada, trazendo as balizas de sua tipologia processual. A pedra angular do instituto, portanto, reside em seu artigo 4°, que estabelece diversos resultados esperados pela colaboração premiada, onde se pode quantificar a sua efetividade:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Não se faz necessário, portanto, a delação de outros coautores e partícipes da organização criminosa, para que a colaboração atinja seus objetivos. Da mesma forma, também não se faz necessário que sejam alcançados todos os resultados, sendo suficiente, a depender do caso concreto, que apenas um dos resultados seja atingido. Tomemos, por exemplo, um caso de sequestro, onde o colaborador indique a localização da vítima, possibilitando sua localização e resgate ou ainda, em caso de grande relevância de lavagem de dinheiro perpetrado por organização criminosa, que o colaborador permita a recuperação do produto dos crimes praticados, indicando às autoridades sua localização.
Benefícios maiores, como por exemplo o perdão judicial, portanto, pressupõe colaborações com melhores resultados.
A lei estabelece ainda, além dos requisitos, a consideração de outros elementos para a concessão do benefício: a personalidade do colaborador; a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso; e a eficácia da colaboração:
§ 1o Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Parece óbvio que tais fatos não são passíveis de análise de plano no momento da celebração do acordo, de forma que o legislador sabiamente indicou a redução de pena. A imposição de pena, por sua vez, pressupõe um decreto condenatório, proferido por magistrado ou tribunal competente. Assim, não parece razoável a fixação de cláusulas, como por exemplo a noticiada pelo ConJur, onde foi pactuada “A condenação à pena máxima de 20 (vinte) anos de reclusão, com a suspensão dos demais feitos e procedimentos criminais (…)” podendo o órgão, de acordo com sua análise, conceder isenção de pena após três anos em regime diferenciado.
Assim, para que um acordo possa efetivamente ser válido, deve ter sua eficácia plenamente auferida pelo Poder Judiciário no momento oportuno, não cabendo, a título exemplificativo, alternativas pactuadas de cumprimento antecipado de pena, por absoluta ausência de previsão legal.
Nesse cenário, somente há que se falar no gozo de eventuais benefícios após a sentença ou pronunciamento judicial equivalente, permitindo assim que a efetividade da colaboração possa ser auferida pela autoridade competente, após análise de adimplemento dos requisitos legais para concessão desses benefícios.
E esse efetividade, por sua vez, não pode ficar sob análise do órgão responsável pela celebração do acordo, mas sim pelo poder Judiciário. É um sistema de freios e contrapesos indispensável ao estado democrático de direito.
[1] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 21, p.03, set. 1994.
[2] FERNANDES, Antonio Scarance. Crime Organizado e a legislação brasileira. In: PENTEADO, J. de C. (Coord). Justiça Prenal 3: críticas e sugestões: o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: RT, 1999, p. 31-55.
[3] SÉRGIO SOBRINHO, Mário. O crime organizado no Brasil. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião; MORAES, Maurício Zanoide de (coord.). Crime organizado: aspectos processuais. São Paulo: RT, 2009, p. 47.
[4] MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103.
[5] BITTAR, Walter Barbosa (coord.). Delação Premiada. Direito Estrangeiro, Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.
[6] SILVA, Eduardo Araujo da. Organizações Criminosas. Aspectos penais e processuais da lei n° 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2014, p. 52.
[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. ed. rev. ampl. e atual. Salvador, JusPODIVM, 2014, p. 728-729.
[8] GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Delação Premiada. In: GOMES, Luiz Flávio. CUNHA, Rogério Sanches e TAQUES, Pedro. Limites constitucionais da investigação. São Paulo: RT, 2009, p. 163-164.
[9] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 409.
[10] GOMES, Luiz Flavio. Coordenador e autor responsável. Lei de drogas comentada. 3ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 227.
[11] MORO, Sérgio Fernando. Op. Cit., p. 111.
Márcio Adriano Anselmo é delegado da Polícia Federal, doutor pela Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela UCB e especialista em investigação criminal pela ESP/ANP e em Direito do Estado pela UEL.
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Advogado em São José do Rio Preto