Proposta de reforma tributária deve ser discutida com patriotismo
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“O maior jugo de um Reino, a mais pesada carga de uma República, são os imoderados tributos.” (Padre Antonio Vieira)
A frase que abre esta coluna é de um sermão feito em Lisboa no dia 14 de setembro de 1649. Mais que religioso, o autor foi um dos mais prestigiados intelectuais de seu tempo. Preocupava-se do com os abusos tributários da época e pregou que deveriam ser feitas mudanças na arrecadação. Quem assim pensa, quer mudar para melhor e não que a vida fique mais insegura ou confusa. Isso tem tudo a ver com o momento que vivemos.
Pois bem. A Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) ao Congresso merece minucioso estudo e ampla discussão. Pode, ao contrário do que desejamos, aumentar a nossa insegurança jurídica e prejudicar o país. Assim, são necessários amplos debates e pesquisas junto a todos os segmentos sociais.
No primeiro de seus oito artigos acrescenta ao artigo 61 da Constituição Federal competência para a iniciativa de projetos de leis complementares que tratem do imposto sobre operações com bens e serviços, ainda que se iniciem no exterior.
Esse imposto ainda não existe. Seria criado para substituir o ICMS e o ISQN, assim unificados e transferidos para a União. A ideia parece-nos inadequada, pois o ICMS é um imposto sobre circulação de mercadorias com incidência não cumulativa. Trata de obrigação de dar (mercadoria ou produto), enquanto o ISQN corresponde à obrigação de fazer (prestar serviço).
Todos desejamos simplificar o sistema. Mas a reunião de dois impostos só atinge esse objetivo se ambos possuírem a mesma natureza jurídica, fatos geradores similares e contribuintes que exerçam atividades que se pareçam entre si. Comerciantes e prestadores de serviços podem ter semelhanças quanto aos meios que empreguem em seus objetivos, mas seus conhecimentos e atividades normalmente são diferentes.
Por outro lado, a proposta deseja que exclusivamente governadores, deputados (inclusive estaduais) e senadores tenham legitimidade para apresentar leis complementares contendo mudanças no novo imposto que se deseja implantar. Tal questão parece-nos inconstitucional, o que possibilitará questionamentos judiciais de difícil solução. A reforma é desejada para reduzir, não para aumentar demandas.
Quando acrescenta a letra “d” ao inciso III do artigo 105 da Constituição, a PEC amplia a competência do Superior Tribunal de Justiça, ao lhe atribuir competência para julgar Recurso Especial contra decisões contrárias às leis complementares relativas ao imposto que se pretende criar a partir da mencionada unificação.
Na reforma tributária implantada em 1967, decorrente da Emenda Constitucional 18/65, o antigo IVC (imposto sobre vendas e consignações) de competência estadual deu origem ao ICM, depois transformado em ICMS na Constituição de 1988.
A principal diferença entre ambos foi a criação do regime não cumulativo, onde o imposto pago nas operações de entrada de mercadorias pode ser compensado com o devido nas subsequentes saídas. Eliminou-se, assim, a chamada incidência “em cascata”, ou seja, o peso do imposto sobre a parcela já tributada nas operações anteriores, que deram origem à mesma mercadoria.
Da mesma forma, o antigo imposto sobre consumo foi substituído pelo IPI (imposto sobre produtos industrializados), também não cumulativo.
A principal diferença entre o IPI e o ICMS, desde a criação de ambos, é que o primeiro adota o princípio da essencialidade dos produtos, aplicando alíquotas menores aos considerados de primeira necessidade, muitos dos quais chegam a merecer isenção.
Por outro lado, os produtos menos essenciais, de luxo ou destinados à população de maior poder aquisitivo, são tributados por alíquotas mais elevadas. Nos produtos cujo consumo se pretenda desestimular ou considerados prejudiciais de alguma forma, a tributação pode ultrapassar o próprio valor da mercadoria. Bebidas alcoólicas e cigarros são exemplo dessa elevada carga de impostos.
Ao reservar para a União o impostos sobre petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos, bem como pneus, partes e peças nestes empregados, a proposta esvazia boa parte das receitas dos estados, quando inclui mercadorias hoje tributadas pelo ICMS.
Tais alterações apontam na direção errada, na medida em que podem fazer com que a receita tributária da União continue representando mais de 55% do que arrecadam os três níveis de governo. Dessa forma, ficaremos sempre com um sistema que dificulta a autonomia financeira de estados e municípios.
A excessiva concentração de recursos financeiros no governo federal favorece o clientelismo político. Estados dependem cada vez mais de verbas federais e deles os municípios tornam-se eternos pedintes. Parece evidente que a competência tributária deva ser atribuída aos três níveis de governo conforme as características de cada tributo. O imposto de renda, por exemplo, deve permanecer em poder do governo federal, enquanto o IVA (imposto sobre valor agregado) pode ser de competência dos estados.
Já o imposto de renda das pessoas físicas, quando arrecadado na fonte, precisa ser urgentemente revisto.A PEC da reforma deveria incluir no artigo 150 da CF (limitações ao poder de tributar) regra que determine a correção monetária de todo e qualquer valor expresso em moeda conforme a variação do seu poder aquisitivo ao longo do tempo, ou seja, a correção monetária.
Isso poderia corrigir a flagrante injustiça hoje existente, especialmente em prejuízo de assalariados, onde qualquer pessoa que ganha mais de R$ 3 mil tem de pagar. Esse salário bruto, se a pessoa tiver dois filhos, por exemplo, só consegue morar em condições precárias. O próprio sindicato dos auditores fiscais já se manifestou no sentido de que a tabela está desatualizada em cerca de 82%. A incidência deveria começar a partir de R$ 5 mil ou mais de rendimento líquido.
Já o IPTU, pelas suas próprias características, deve permanecer com os municípios. Todavia, não pode ser fixado sem adequada avaliação dos imóveis. Sempre que possível o tributo deve ser fixado pelo valor venal do imóvel, apurado com o máximo de precisão.
Impostos destinam-se ao atendimento do que estabelece a primeira ordem da nossa Constituição, contida em seu preâmbulo:
…para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…
Nossa Carta Magna, à qual devemos obediência, especialmente os servidores públicos e membros de todos os Poderes, garante que em nosso país qualquer criatura humana tem deveres e direitos.
Nossos deveres são muitos, inclusive pagar os tributos legalmente estabelecidos. Boa parte deles nós pagamos mesmo sem perceber ou sem o desejar. Tal é o caso dos que incidem na energia elétrica que agora alimenta a máquina onde digito este texto o dos que já foram pagos nos alimentos que me sustentam e medicamentos que me ajudam a permanecer vivo.
Já os nossos direitos, que nem sempre são adequadamente atendidos pelos órgãos do Estado, estão de forma resumida contidos no artigo 6º da mesma Constituição:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Neste momento especial da nossa história e considerando as dificuldades que outros países enfrentam, inclusive os mais ricos que o nosso, nunca é demais lembrar a necessidade de estimularmos um sentimento importante às vésperas do Dia da Pátria: PATRIOTISMO!!!
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
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Advogado em São José do Rio Preto