Prisão domiciliar de mãe de menor exige bom senso
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A Lei 13.257, de 2016, ao tratar das possibilidades de concessão da prisão domiciliar, introduziu no artigo 317 do Código de Processo Penal o inciso V, com a seguinte redação:
317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
Referido artigo é fruto das “Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok)”, editadas em 22 de julho de 2010 pela Assembleia Geral da ONU,[1] cujo objetivo foi o de proteger as mulheres, inclusive as pertencentes às minorias, bem como seus filhos, dando-lhes condições de responder ação penal ou cumprir suas penas, se condenadas, com dignidade.
Nas regras de Bangkok não existe a previsão de recolhimento domiciliar adotada pelo CPP brasileiro. Todavia, a norma legal pátria se amolda perfeitamente ao objetivo previsto na Regra 52, cuja redação é a seguinte:
Regra 52 1. A decisão do momento de separação da mãe de seu filho deverá ser feita caso a caso e fundada no melhor interesse da criança, no âmbito da legislação nacional pertinente.
A nova norma processual visa, acima de tudo, à proteção dos menores, evitar que sejam separados de suas mães, considerando as consequências nocivas, físicas e psicológicas, que o fato poderá resultar. Portanto, o dispositivo mira às crianças e não à mãe infratora, muito embora ela, com certeza, venha a ser a beneficiária direta.
Inicialmente cumpre analisar-se a redação dada ao inciso V citado: “…filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”.
Muito embora seja possível ter-se dúvida sobre o alcance do dispositivo, a interpretação leva à conclusão de que a lei destina-se ao menor que não tenha completado 12 anos de idade, ou seja, até 11 anos, 11 meses e o dia da véspera do seu aniversário.
Feitas estas considerações, vejamos, na realidade brasileira, quem são as mulheres que podem beneficiar-se da nova regra e em que hipóteses isto vem ocorrendo.
Desde logo, afaste-se a ideia de que autoras de pequenos furtos ou outros crimes de bagatela serão as destinatárias da norma. Na realidade judiciária, estas mulheres não costumam ficar presas, exceto se reincidentes. A pena em regime fechado é prevista no artigo 33, § 2º do Cód. Penal, apenas para os condenados a pena superior a 8 anos. Portanto, em casos de menor gravidade, pode eventualmente ocorrer prisão provisória de uma mulher, mas será a exceção à regra.
Em um segundo momento, registre-se que a alteração da lei processual penal só teve maior repercussão com o deferimento de prisão domiciliar a Adriana Ancelmo, que em 17 de março de 2017 foi “autorizada a cumprir prisão em casa para poder cuidar dos filhos de 11 e 14 anos”.[2]
Casada com o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, recolhido à prisão e sem perspectivas de ser posto em liberdade em futuro próximo ou remoto, Adriana Ancelmo tronou-se famosa pela vida que levava, principalmente pelas joias que comprava. Mas esse caso é exceção, nada tem a ver com a maior parte dos processos de encarceramento de mulheres.
Na verdade, mulheres presas a pleitear prisão domiciliar, na maioria quase absoluta, são as acusadas da prática de tráfico de entorpecentes. E aí há que se fazer distinção entre diferentes realidades.
Há casos de mulheres carentes, que recebem pequena quantia em dinheiro para trazer um pacote com maconha de Cuidad del Leste (Paraguai) para Foz do Iguaçu (Brasil). Mas há situações de mulheres que tentam levar, através do aeroporto internacional de Guarulhos (SP), quantidade expressiva de cocaína para o exterior. Por exemplo, no dia 22/12/2016, uma jovem foi surpreendida e presa em flagrante, tentando embarcar para a Tailândia com 6 kg de cocaína escondidos entre suas roupas na mala.[3]
Há casos extremos em que o crime é consequência do vício. Notícia da mídia revela o drama de G.P.S., viciada em crack. “Para sustentar o vício ela passou a cometer furtos de objetos e até dinheiro de pessoas com quem mantém contato” e o resultado foi a perda do marido e a guarda dos filhos.[4]
Pois bem, diante deste quadro, que apresenta facetas tão diversas, qual será a melhor interpretação da norma?
Ao meu ver, deve prevalecer o bom senso. Estas duas palavras têm um significado simples e eram muito usadas no passado. Direito é bom senso, diziam os profissionais do Direito. Agora, muito falam, com ares de quem estudou o tema por décadas no Brasil e no exterior, em princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Pois bem, bom senso no caso significa, pura e simplesmente, aplicar o Art. 317, inciso V, do Código de Processo Penal, tendo em vista a proteção de filho de presa com 12 anos incompletos, desde que a prisão domiciliar não ponha em risco a sociedade.
Com equilíbrio, lembram Fischer e Pacelli que “a substituição da prisão por domiciliar não deverá ser automática. Deve ser aquilatada a necessidade pelo juiz de tal providência, fundamentando sobretudo em caso de indeferimento”.[5]
Assim, não tem cabimento indeferir-se pedido de prisão domiciliar por presa que tem filhos menores, simplesmente porque o Estado não tem como exercer a fiscalização do cumprimento da medida. Negativa fundada em tal motivo ou simplesmente destituída de fundamentação, com certeza será revogada em instância superior. A revista eletrônica Consultor Jurídico, em 12/10/2017, noticia que o Superior Tribunal de Justiça deferiu o benefício em 32 julgamentos.[6]
O outro extremo, é afirmar que o artigo aplica-se independentemente das condições do caso concreto. Com efeito, as peculiaridades do caso são essenciais para uma decisão razoável.
É preciso averiguar se as crianças moram com a presa. Se ela cuida delas ou isto é feito por uma avó ou outra pessoa. Em que medida sua presença na casa é positiva. Ou se esta presença é negativa para as crianças, por sua dedicação a atividades criminosas.
Também, é importante ter em conta qual a gravidade do crime cometido. Se em prisão domiciliar, com possibilidade de persistir nas atividades delituosas, ela não estará causando grave dano à sociedade. Por exemplo, mãe que pratique crime de terrorismo ou tráfico de entorpecentes de elevadas proporções, deve ter vedada a possibilidade de tais práticas.
A matéria foi muito bem analisada pelo desembargador federal Abel Gomes, do TRF da 2ª. Região, que, após fazer minucioso apanhado da legislação, da doutrina e da jurisprudência pátria, concedeu prisão domiciliar a acusada de graves crimes contra a administração pública e a ordem econômica, por ser mãe de uma criança de 12 anos portadora de Hipogamaglobulinemia não familiar, sendo que o pai mora em outro estado, e outra de 3 anos, que teve com seu atual companheiro.[7] No voto, ordenou que a acusada usasse tornozeleira eletrônica e suspendeu suas atividades econômicas.
Em suma, a análise do artigo 317, V, do CPP não deve afastar-se da máxima que diz: “na interpretação deve sempre preferir-se a inteligência que faz sentido à que não faz”. É dizer, a concessão de prisão domiciliar a mulheres presas provisoriamente é, em princípio, positiva, mas, concedida ou negada, deve ater-se e expor as peculiaridades do caso concreto.
[5] FISCHER, Douglas. PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 8ª ed.. São Paulo: Atlas, 2016, p. 740.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
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Advogado em São José do Rio Preto