Os riscos da eleição indireta para presidente da República
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O perigo do “Fora Temer” já passou. A não ser os fanáticos de seitas políticas exóticas, ninguém mais repete isso. Mas é exatamente em razão da superação do problema político, que se torna oportuna uma reflexão sobre os aspectos jurídicos da eventual substituição do presidente da República, sem risco de ilações indevidas. O assunto será tratado em tese, mas é inevitável recorrer a fatos atuais.
Nos termos do artigo 86, caput, da Constituição Federal, desde que seja admitida a acusação, por dois terços da Câmara dos Deputados, o presidente da República será “submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.
O atual presidente da República, Michel Temer, foi acusado da prática de crime comum. Sobre os desdobramentos desse fato, convém transcrever o que foi consignado pela imprensa: “Apesar de todo o alvoroço armado em torno da delação do sr. Joesley Batista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou a tão prometida prova contra Michel Temer. Rodrigo Janot acusou o Presidente da República de receber vantagem indevida de R$ 500 mil, mas não apontou um único indício de que Michel Temer teria recebido tal valor — onde, quando, como. Com tal fragilidade probatória, a denúncia apresentada mais parecia um pedido de investigação do que uma acusação formal. Nessas condições, afastar o presidente da República do exercício do cargo seria uma evidente irresponsabilidade, e a Câmara dos Deputados, no cumprimento de suas atribuições constitucionais, rejeitou com acerto tal imprudência.” (O Estado de S. Paulo, 4.8.17 p. A3)
Com base nessa mesma questionadíssima gravação feita por Joesley Batista, com suspeitíssimo açodamento, na calada da noite, sem a absolutamente elementar providência de ouvir o acusado, a OAB/PT (sic) formulou denúncia contra o presidente da República, por crime de responsabilidade. Dado o pronunciamento anterior, acima referido, é de todo provável que o presidente da Câmara dos Deputados nem dê seguimento ao pedido, mandando simplesmente arquivá-lo.
O pecado mortal cometido pelo presidente da República tem raiz no fato de que ele recebeu Joesley Batista (um dos maiores empresários do Brasil, extraordinariamente favorecido pelo anterior Governo Federal, que opera num setor estratégico para as exportações brasileiras) em sua residência oficial à noite e fora da agenda. Daí a presunção de que haveria nisso algo de ilícito.
No presente momento, a imprensa verbera o fato de que a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também foi recebida por Michel Temer, na residência oficial, à noite, fora da agenda. Para a imprensa, deve haver algo de ilícito nisso, pois a futura procuradora-geral será competente para, eventualmente, no futuro, vir a acusar o presidente da República. Entretanto, no caso específico, a denúncia já foi feita pelo atual procurador-geral e seguirá seu curso, normalmente perante o Supremo Tribunal Federal. Não há como Raquel Dodge, desfazer a denúncia feita por Janot, assinada em cruz pelo ministro Fachin, que recebeu a cobertura de sua corporação.
Mas há uma pergunta no ar: se o encontro fosse clandestino, para tramar algum ilícito, por que fazê-lo em Brasília, na residência oficial do presidente? Para efeito de comparação, em matéria de encontros clandestinos e tramas suspeitas, nada supera o encontro da presidente Dilma com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, em Portugal, bem longe de Brasília, fora dos olhos da imprensa. Já se sabia que ele iria presidir o julgamento dela, como de fato ocorreu, ocasião na qual ele a beneficiou escandalosamente, violando a letra e o espírito do artigo 52, parágrafo único, da CF. Num eloquente silêncio cúmplice, o STF engavetou o caso, possibilitando que Dilma venha a escudar-se em algum foro privilegiado.
Uma coisa são os encontros furtivos, para fins ilícitos, e outra coisa, bem diferente, são os encontros informais, para cuidar de assuntos sensíveis, com repercussões políticas. No caso da Procuradoria Geral da República, não é segredo para ninguém que a futura titular não pertence à mesma corrente política a que se filia o atual titular, fazendo com que os detalhes da cerimônia de posse tenham possíveis repercussões políticas.
Sem hipocrisia, convém lembrar que os exercentes de elevados cargos, mandatos ou funções na República precisam sempre cuidar das implicações políticas de suas atitudes, havendo necessidade de que certas questões sejam tratadas ou articuladas com a possível discrição, sem que haja nisso qualquer ilícito. Como também é sabido, o presidente Michel Temer já conversou algumas vezes com o ministro Gilmar Mendes, seu colega, como professor de Direito Constitucional, e amigo de longa data. Há algo ilícito ou irregular nesses encontros informais de pessoas que se estimam e desfrutam de uma confiança recíproca?
Para encerrar estas considerações iniciais sobre matéria de fato, resta apenas registrar a crendice generalizada no sentido de que, uma vez afastado o presidente Temer, imediatamente o presidente da Câmara dos Deputados assumiria a Presidência da República e, assim, sem maiores problemas, o Brasil seguiria seu curso. Entretanto, as perspectivas, jurídicas e políticas, que se abrem, são bastante preocupantes, dadas as incertezas, as dúvidas e os riscos inerentes ao tortuoso processo de substituição.
Voltando ao texto da Constituição Federal, cabe lembrar que, nos termos do §1º do artigo 68, a autorização, da Câmara Federal, para que a denúncia contra o presidente siga em frente, não acarreta o seu imediato afastamento do cargo, como alardearam (até por má fé) alguns órgãos da imprensa. Para que o presidente seja afastado, é preciso que, nas infrações penais comuns, o Supremo Tribunal Federal receba a denúncia, sendo indiscutível que ele pode receber ou não, e que, nos casos de crimes de responsabilidade, o Senado, decida instaurar o processo de cassação do mandato, o que pode não ocorrer. A Câmara dos Deputados não “manda” que o STF ou o Senado instaurem o processo. Cada um desses órgãos faz o respectivo processo de admissibilidade da denúncia.
Mas, supondo que a denúncia seja aceita e mandada processar por qualquer dessas entidades, nos termos do §2º desse mesmo artigo 86, o presidente ficará somente temporariamente afastado, pelo prazo máximo de 180 dias, o que significa, indiscutivelmente, que ele pode voltar ao cargo. Ou seja: a substituição, pelo presidente da Câmara é eventual, precária e temporária, mas as repercussões jurídicas e políticas dessa substituição eventual são incontestáveis, pois podem gerar inelegibilidade e responsabilidade civil e política, além de acarretar um rearranjo provisório na cúpula governamental. O risco maior está na paralização dos mais significativos programas governamentais, que ficarão em compasso de espera, podendo afetar até mesmo a atuação ordinária da administração pública federal.
Mas, suponha-se novamente, que o presidente da República seja definitivamente afastado. Nesse caso, por força do disposto no artigo 81, §1º, da CF, deverá ser feita, no prazo de 30 dias, uma eleição indireta, pelo Congresso Nacional, para provimento dos cargos de presidente e vice-presidente da República, apenas para completar o mandato do substituído. Em face da legislação em vigor, quem pode candidatar-se e como será feita essa eleição?
Essa matéria é disciplinada pela Lei 4.321, de 7 de abril de 1964, dispondo sobre a eleição, pelo Congresso Nacional, do presidente e vice-presidente da República. Convém recordar que essa lei foi feita, às pressas, improvisadamente e sem qualquer discussão, para assegurar a vitória do general Castelo Branco, na vacância decorrente da renúncia de Jânio Quadros e da cassação de João Goulart.
Não obstante essa origem espúria, a Lei 4.321/64 está em vigor e deverá ser aplicada, mas em consonância com as normas constitucionais ora vigentes. Por exemplo, as condições de elegibilidade são aquelas do artigo 14, §3º, da CF, onde consta o requisito da filiação partidária. Não há exigência alguma, constitucional ou legal, de que o candidato seja detentor de qualquer mandato político. Não se trata de uma eleição “intra muros”, entre integrantes do Congresso Nacional.
O artigo 2º da Lei 4.321/64 determina que convocação para a eleição seja feita pelo presidente do Senado, no exercício da Presidência do Congresso Nacional, conforme o disposto no artigo 57, §5º, da CF. Nos termos do artigo 3º e seu parágrafo único, a Mesa deverá abrir a sessão na hora marcada, com qualquer número, mas somente abrirá a votação com a presença da “maioria dos Congressistas”. Está implícito, portanto, tratar-se de votação unicameral, tendo cada congressista um voto, sem qualquer ponderação. A sessão não será interrompida e só terminará com a proclamação dos eleitos.
Alguns dispositivos dessa lei são inaplicáveis, por absoluta incompatibilidade com a Constituição Federal vigente. É o caso do artigo 4º o qual dispõe que as votações para presidente e vice-presidente sejam separadas, conflitando com o artigo 77, §1º, da CF, o qual determina que a eleição do presidente importará a do vice-presidente com ele registrado. Disso se depreende que cada candidato a presidente deve apresentar seu respectivo candidato a vice-presidente.
Não é o caso de se proceder, aqui, a um comentário de cada artigo da Lei 4.321/64. O que se pretende evidenciar é que a lei vigente é, claramente, uma lei de exceção, daí porque é oportuna a discussão da matéria agora, para que se edite uma nova lei dispondo sobre o assunto, mediante a apresentação de um projeto, o qual deverá ser amplamente discutido, com intensa participação popular, para reger uma eventual vacância que talvez venha a ocorrer no futuro, pois, conforme determina a Constituição, em seu artigo 16, “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
O ponto fundamental, que motivou a redação deste texto, é salientar os riscos inerentes a uma eleição indireta para presidente e vice-presidente da República. Conforme foi dito inicialmente, o “Fora Temer” foi superado, mas é possível imaginar o caos jurídico, político e institucional, caso ele tivesse se concretizado. Com efeito, a precariedade da legislação em vigor (que, por exemplo, nada dispõe sobre a propaganda dos eventuais candidatos) geraria um sem número de conflitos, os quais iriam certamente descambar no Poder Judiciário, cuja atuação errática e titubeante, nos dias atuais, como decorrência da predominância de decisões monocráticas, mantidas por puro corporativismo, geraria uma insuportável insegurança jurídica. O STF precisa voltar a decidir como um verdadeiro e respeitável tribunal, mas isso fica para outro comentário.
De imediato, é absolutamente necessário dar prosseguimento às reformas que nenhum governo anterior levou adiante, por causa da impopularidade, não obstante o reconhecimento de sua essencialidade. A restauração da normalidade política, com a manutenção dos debates mas sem o clima de guerra, é fator indispensável para a restauração da segurança jurídica, sem o que não há desenvolvimento econômico, com a geração de emprego e renda. Sem um crescimento econômico real (não artificial e insustentável) não há possibilidade de investimentos essenciais em infraestrutura, nem, menos ainda, o incremento da receita pública, sem elevação de impostos, mas no montante necessário para superar a crônica deficiência de serviços essenciais, como educação e saúde.
O tumulto político institucional só interessa aos que professam credos políticos incompatíveis com o estado democrático de direito e sonham com o retorno aos tempos da irresponsabilidade fiscal, do assistencialismo eleitoreiro e da corrupção institucionalizada.
Adilson Abreu Dallari é professor titular de Direito Administrativo da PUC-SP e membro da Associação Paulista de Direito Administrativo.
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Advogado em São José do Rio Preto