O que mostram as decisões judiciais sobre recuperação de empresas
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O Decreto-Lei 7661/1945, conhecido como Lei de Falências, vigorou até a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, e que foi responsável pela introdução no ordenamento jurídico brasileiro do instituto da recuperação judicial.
Obviamente, a lei vigente significou avanço e modernização se comparada com sua antecessora. Contudo, sua aplicação durante 12 anos e a baixíssima percentagem de recuperações judiciais obtidas demonstraram: (i) a conveniência de sua reforma parcial; (ii) a razão de dezenas de projetos de alteração em tramitação no Congresso Nacional; e (iii) a utilização pouco ortodoxa das possibilidades dessa lei.
É esclarecedor o exame de julgados, pois eles demonstram, vividamente, os comentários feitos em artigos anteriores[1]. As decisões coligidas, podem ser divididas em dois blocos. O primeiro relacionado a elevados percentuais de deságio, prazos de pagamento dilatados, longos períodos de carência, sacrifício excessivo aos credores, perdão de dívidas, ausência de correção monetária, juros irrisórios ou inexistentes, supressão de garantias etc. O segundo diz respeito à necessidade ou não da intervenção do poder Judiciário, nos casos de planos abusivos aprovador pelos credores.
Pertencem ao primeiro bloco as decisões, cujos excertos estão abaixo transcritos:
(i)“RECUPERAÇÃO JUDICIAL PLANO APROVADO EM ASSEMBLEIA DE CREDORES PRAZO PARA PAGAMENTO EXCESSIVO TRINTA ANOS – AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA SOBRE OS CRÉDITOS QUIROGRAFÁRIOS – ESTABELECIMENTO DE POSIÇÃO DE INDEVIDA SUPREMACIA DAS RECUPERANDAS – HOMOLOGAÇÃO REVOGADA CONCESSÃO DE PRAZO PARA A REELABORAÇÃO DO PLANO E CONVOCAÇÃO DE NOVA ASSEMBLEIA DE CREDORES – RECURSO PROVIDO[2]. (…)
As regras negociais insertas no plano aprovado precisam, sob pena de invalidade, respeitar os princípios cogentes de direito privado e a violação destes princípios impõem a anulação da cláusula respectiva e a negativa de homologação judicial
Diante da conjuntura legal exposta, esta Câmara Reservada tem ressaltado a necessidade de que o devedor, durante o período de supervisão judicial, inicie os pagamentos, durante o período de supervisão, somando-se não ser plausível que o parcelamento apenas termine em 30 (trinta) anos, alongando-se a solução das pendências por 32 (trinta e dois) anos. Somam-se, na espécie, outras regras extremamente prejudiciais aos credores quirografários e que colocam a devedora numa posição de indevida supremacia, que potencializam o abuso, com a violação dos direitos dos credores envolvidos no procedimento concursal. (…)
Além do deságio de 50% (cinquenta por cento), os créditos quirografários enfocados não serão atualizados, nem incorrerão juros até o respectivo pagamento (fls.97 e 98). O conjunto de regras estabelecida no plano homologado configura, para esta categoria examinada de credores quirografários, um verdadeiro confisco privado, o que não pode ser admitido.
Identifica-se, aqui, enfim, violação da ordem constitucional e legal, o que inviabiliza a homologação do plano analisado e conduz à necessidade de revogação da decisão recorrida, cabendo, à agravada (recuperanda), seja apresentado outro plano de recuperação, no prazo de sessenta dias, com a supressão e superação das invalidades já referenciadas, convocando-se, em caráter de urgência, nova assembleia geral de credores”.
(ii) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PREJUDICIAL DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E OFENSA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. INFRINGÊNCIA A DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. INGERÊNCIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE. RECURSO PROVIDO[3].
– Prejudicial de supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição arguida em sessão de julgamento ao argumento de que a matéria não teria sido submetida ao juízo a quo. Não acolhimento, em face do efeito regressivo presente no recurso de agravo de instrumento, que enseja o conhecimento do pleito recursal pelo prolator da decisão, abrindo possibilidade, inclusive, do mesmo se retratar;
– Agravo de Instrumento manejado em face de decisão que homologou plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral de credores;
– Plano de recuperação que representa verdadeiro perdão da dívida, já que aplicado deságio de 90% sobre o valor nominal dos créditos, com pagamento do saldo remanescente (10%) em 120 parcelas mensais, iguais e consecutivas, após carência de 36 meses, sem incidência de qualquer encargos, a partir do mês subsequente ao da homologação do plano, com previsão inicial de pagamento para o mês de março/2015, contemplando ainda tratamento desigual para credores da mesma classe pelo percentual de deságio adotado
– Violação a princípios constitucionais, a exemplo do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e isonomia, além afronta ao art. 61 da Lei 11.101/05 e ao princípio da igualdade dos credores;
– Necessidade de revisão dos posicionamentos do Poder Judiciário no sentido da soberania absoluta das Assembleias Gerais de Credores, devendo para tanto assumir seu papel precípuo de guardião dos princípios consagrados na Carta Política de 1988, atuando de maneira mais rigorosa e diligente, para que não continuem a ser homologados planos de recuperação judicial em flagrante descompasso com o ordenamento jurídico vigente;
– Recurso provido, a unanimidade de votos.
Primeiramente, há de se rechaçar por completo qualquer argumento no sentido da impossibilidade do Poder Judiciário proceder com tal revisão já que, provocado pela parte, não pode deixar de atuar, sob pena de malferir o princípio da inafastabilidade da função jurisdicional (art. 5º, XXXV da CF).
Nesse diapasão, não se pode, sob o fundamento da soberania absoluta da Assembleia Geral de Credores retirar do Judiciário a possibilidade de aferir no caso em questão a compatibilidade das disposições contidas no plano, notadamente quando o mesmo se encontra de encontro a valores legais e constitucionalmente tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, só há de prevalecer a referida soberania quando em consonância com todo o ordenamento constitucional vigente”
Fazem parte do segundo bloco, as decisões a seguir:
(i)Agravo[4]. Recuperação Judicial. Plano aprovado pela assembleia-geral de credores. Plano que prevê o pagamento do passivo em 18 anos, calculando-se os pagamentos em percentuais (2,3%, 2,5% e 3%) incidentes sobre a receita líquida da empresa, iniciando-se os pagamentos a partir do 3º ano contado da aprovação.
Previsão de pagamento por cabeça até o 6º ano, acarretando pagamento antecipado dos menores credores, instituindo conflitos de interesses entre os credores da mesma classe. Pagamentos sem incidência de juros. Previsão de remissão ou anistia dos saldos devedores caso, após os pagamentos do 18º ano, não haja recebimento integral.
Proposta que viola os princípios gerais do direito, os princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da propriedade, da proporcionalidade e da razoabilidade, em especial o princípio da “pars conditio creditorum” e normas de ordem pública.
Previsão que permite a manipulação do resultado das deliberações assembleares.
Falta de discriminação dos valores de cada parcela a ser paga que impede a aferição do cumprimento do plano e sua execução específica, haja vista a falta de liquidez e certeza do “quantum” a ser pago.
Ilegalidade da cláusula que estabelece o pagamento dos credores quirografários e com garantia real após o decurso do prazo bienal da supervisão judicial (art. 61, ‘caput’, da Lei nº 11.101/2005). Invalidade (nulidade) da deliberação da assembleia-geral de credores declarada de ofício, com determinação de apresentação de outro plano, no prazo de 30 dias, a ser elaborado em consonância com a Constituição Federal e Lei nº 11.101/2005, a ser submetido à assembleia-geral de credores em 60 dias, sob pena de decreto de falência. (…)
Primeiramente, cumpre ressaltar que incide-se em grave equívoco quando se afirma, de forma singela e como se fosse um valor absoluto, a soberania da assembleia geral de credores, pois, como ensinaram Sócrates e Platão, as leis é que são soberanas, não os homens”. (…)
… as deliberações assembleares, construídas consoante os princípios e regras constitucionais e de acordo com as leis, são adjetivadas de soberania, a qual é haurida soberania da Carta Magna e do ordenamento legal. Se, porém, as deliberações da Assembleia-Geral forem maculadas por vícios, fraudes, simulações, manipulações, inverdades ou violações aos princípios morais, éticos, constitucionais ou às regras legais, devem ser nulificadas de ofício pelo Poder Judiciário”[5]
(ii)RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO[6].
1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial.
2. Recurso especial conhecido e não provido. (…)
A apresentação, pelo devedor, de plano de recuperação, bem como sua aprovação, pelos credores, seja pela falta de oposição, seja pelos votos em assembleia de credores (arts. 56 e 57 da LFRJ) consubstanciam atos de manifestação de vontade. Ao regular a recuperação judicial, com efeito, a Lei submete à vontade da coletividade diretamente interessada na realização do crédito a faculdade de opinar e autorizar os procedimentos de reerguimento econômico da sociedade empresária em dificuldades, chegando-se a uma solução de consenso. Disso decorre que, de fato, não compete ao juízo interferir na vontade soberana dos credores, alterando o conteúdo do plano de recuperação judicial, salvo em hipóteses expressamente autorizadas por lei (v.g. art. 58, §1º,da LFRJ). (…)
A vontade dos credores, ao aprovarem o plano, deve ser respeitada nos limites da Lei. A soberania da assembleia para avaliar as condições em que se dará a recuperação econômica da sociedade em dificuldades não pode se sobrepujar às condições legais da manifestação de vontade representada pelo Plano. Do mesmo modo que é vedado a dois particulares incluírem, em um contrato, uma cláusula que deixe ao arbítrio de uma delas privar de efeitos o negócio jurídico, o mesmo poder não pode ser conferido à devedora em recuperação judicial. A lei é o limite tanto em uma, como em outra hipótese.”
As demais decisões relevantes e as conclusões constarão do próximo artigo.
João Grandino Rodas é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.
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Advogado em São José do Rio Preto