O limite entre a privacidade e a liberdade de expressão — OAB SP
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Discussões sobre o direito ao esquecimento ganham cada vez mais força no cenário nacional. Além de estar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) para entrar em julgamento, a Câmara Federal começou a analisar um projeto de lei (PL 8.443/2017) com a mesma finalidade de tirar de circulação conteúdos que ofereçam danos à integridade do cidadão brasileiro. A questão envolve um conflito aparente entre a liberdade de imprensa e de expressão versus particularidades da pessoa, como intimidade, privacidade e honra, conceitos amparados pelo artigo 5º da Constituição brasileira. Dessa forma, enquanto não se constitui jurisprudência ou uma lei específica acerca do imbróglio, caberá interpretação caso a caso.
Já houve julgamento favorável à polêmica dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de apagar de uma matéria jornalística o nome de Aída Curi, abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. O STJ entendeu que o réu condenado ou absolvido tem o direito de ser esquecido, compreensão adotada pela primeira vez no país por uma corte superior. Essas causas estão no STF. Foram motivo de audiência pública sobre o assunto e serão julgadas como paradigma de repercussão geral. O relator é o ministro Dias Toffoli. A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, tem-se manifestado favorável acerca do tema. Na visão da magistrada, será possível encontrar o equilíbrio.
O maior problema está no fato de a Constituição e o Marco Civil da Internet não terem norma específica com relação a estes fatos para a grande rede de comunicação, onde navega a maioria dos casos de informações questionáveis. A regra geral, portanto, é a população ter direito ao conhecimento, para interesse público. “Dessa forma, não existe o direito ao esquecimento como uma norma constitucional”, diz o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Marcelo Figueiredo. Ele explica que a ideia é uma construção do direito alemão e ganhou força na Europa, com ações impetradas por pessoas acusadas de terem cometido algum ato ou crime ou tenham sido alvo de propaganda enganosa e buscam apagar suas histórias.
A rapidez na propagação dos conteúdos, no entanto, é um ponto que dificulta garantias ao cidadão de ser esquecido. Isso porque na hora que a informação cai nas redes sociais ou na internet passa a atingir um número infinito de usuários. Quando isso acontece, além de buscar reparar a imagem por meio de ações judiciais, o indivíduo terá de contar com ajuda técnica para reduzir os danos causados. De acordo com especialistas em Direito Digital, é quase impossível conseguir apagar toda a informação divulgada, principalmente pela velocidade com que é propagada nos infinitos blogs e páginas particulares das redes sociais. Isso porque a internet é uma ferramenta que praticamente eterniza os acontecimentos. “Além da memória cache nos computadores, que deixa o conteúdo armazenado em algum lugar, tem gente que pode salvar e guardar a notícia na própria máquina”, afirma a presidente da Comissão de Educação Digital da OAB SP, Cristina Moraes Sleiman, advertindo para o fato de o problema perseguir aquela pessoa pela vida inteira. As ações devem ser dirigidas aos provedores, que, por sua vez, não têm a obrigação de remover os dados com simples pedidos feitos pelos usuários ofendidos. “Quando estão relacionados à intimidade, uma notificação extrajudicial é suficiente. O restante, apenas por meio de ação processual.”
Apesar de as discussões terem surgido no campo penal, abrangendo ex-condenados com a intenção de ter seus antecedentes criminais tirados de circulação, o debate foi ampliado. Atualmente, envolve vários aspectos da vida. A argumentação brasileira se apoia em um litígio europeu. O espanhol Mario Costeja González acionou o jornal “La Vanguardia” e o Google para exclusão de links sobre uma notícia de um leilão judicial de seu apartamento para o pagamento de dívidas. Quinze anos depois, em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou a possibilidade de os cidadãos solicitarem a retirada de dados pessoais da internet a partir do direito ao esquecimento.
Uma lembrança emblemática no Brasil é a da apresentadora Xuxa. Ela participou de um filme do qual se arrependeu e entrou com ação contra o Google para suprimir seu nome do sistema de busca quando fosse feita essa referência. Acabou perdendo.
No mundo artístico, o material divulgado é mais difícil de ser controlado, em especial os conteúdos que resultam das perseguições dos paparazzis, de imediata divulgação. Porém, é necessário observar os termos dos contratos envolvendo o uso da imagem. A partir da assinatura de um acordo, ele deve ser cumprido. Caso a pessoa quer que uma cena de sexo ou de um beijo, gravada há anos, seja tirada do ar, e não ocorra entendimento entre as partes, terá de entrar com medida judicial. Nesse sentido, cabe processo em desrespeito à integridade. Por outro lado, na avaliação dos advogados, deve haver o esquecimento em situações para quem não é personalidade pública e não tem informação relevante para o país, ou seja, sobre o que é interesse da própria pessoa. Observando, inclusive, casos em que a retirada é automática. “Se você passou um cheque sem fundo, por exemplo, esse registro terá de ser apagado após um determinado tempo”, diz Marcelo Figueiredo.
Memória
Contrapondo a edição de uma lei ou jurisprudência sobre o tema, Tais Borja Gasparian, vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB SP, diz que o direito à informação será violado se o Brasil admitir algum tipo de direito de esquecimento, correndo o risco de a nação adotar medidas de censura. Para ela, a memória deve ser preservada, pois está acolhida pelo princípio constitucional. “Temos acompanhado pessoas pedindo para que sejam apagadas dos registros da internet notícias divulgadas sobre si, geralmente aquelas que lhe são desagradáveis. Esse seria o conceito mais prático sobre o direito ao esquecimento.” A advogada avalia que, em qualquer uma das hipóteses, o esquecimento colide com a liberdade de imprensa. “Sempre se deve ter em mente se o fato é de interesse público.”
Em nome da preservação da memória da sociedade, os advogados defendem que informações e matérias que atentam contra os direitos humanos, como o nazismo e as ditaduras militares, envolvendo torturas, mortes e desaparecimentos, nunca devem ser esquecidas. No sentido contrário, a Constituição não permite a propagação de ações cultuando ódio, automutilação ou racismo. “Estes conteúdos, sim, não podem sequer ser divulgados”, conclui Cristina Sleiman. “De qualquer forma, será difícil traçar uma linha que traga procedimento único para todos os processos.”
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Advogado em São José do Rio Preto