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Milênio: Ryan Lizza, jornalista político do The New Yorker e CNN

Advogado em Rio Preto | Amorim Assessoria Jurídica > ADI  > Milênio: Ryan Lizza, jornalista político do The New Yorker e CNN

Milênio: Ryan Lizza, jornalista político do The New Yorker e CNN

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Entrevista concedida pelo jornalista político Ryan Lizza ao jornalista Luiz Fernando Silva Pinto para o Milênio — programa de entrevistas que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com reprises às terças (17h30), quartas (15h30), quintas (6h30) e domingos (14h05).

Ryan Lizza é correspondente da revista The New Yorker em Washington e integra o time de comentaristas da CNN. É especialista nos grandes temas da política americana. Escreveu perfis de: Barack Obama, Hillary Clinton, Joe Biden e Mitt Romney.

Ryan Lizza [Reprodução]Luis Fernando Silva Pinto — Fale sobre a sua lista de fatos surpreendentes. 

Ryan Lizza —
Sou jornalista político há quase 20 anos. Completo as duas décadas em janeiro. Quando cheguei a Washington, em janeiro de 1998, na primeira semana de minha carreira como jornalista político aconteceu o escândalo de Monica Lewinsky, que foi historicamente, um acontecimento surpreendente. No ano seguinte houve o processo de impeachment pela primeira vez em um século, desde Andrew Johnson. Nixon não sofreu impeachment porque renunciou antes. Esse foi um fato histórico importantíssimo, e depois houve a campanha selvagem de 2000 entre Bush e Gore, que terminou com recontagem. Passei entre quatro e seis semanas na Flórida cobrindo aquela loucura.

Luis Fernando Silva Pinto — Mudava todo dia. 

Ryan Lizza —
Pois é. Fui a Palm Beach e a Tallahassee cobrir aquela competição bizarra da recontagem que acabou decidida pela Suprema Corte, outro fato inédito na história americana. Daí temos George W. Bush como presidente numa eleição decidida por menos de 600 votos em um estado e o vencedor no voto popular não foi eleito, o que não acontecia havia muito tempo e depois, em menos de um ano, tivemos o 11 de setembro. Sempre achei que o período entre janeiro de 1998, com o escândalo de Monica Lewinsky, e o 11 de setembro, meus primeiros anos de jornalismo, foi “bum, bum, bum”, a História nos surpreendeu com fatos importantes. 

Nunca vou esquecer minha conversa com David Frum, o redator dos discursos de George W. Bush. Ele é um conservador que hoje é um crítico notório de Trump. Mas era um conservador famoso que escrevia os discursos do presidente Bush, e eu conversei com ele naquele dia ou no dia seguinte, e ele me disse que uma coisa que aprendeu estando na Casa Branca no 11/9 foi que todos os planos de contingenciamento se resumem a salvar o presidente, o vice-presidente e a equipe sênior, e o resto que se vire. Ele percebeu que não havia um plano para ele. 

Ele acabou indo para o escritório de uns amigos. Toda a equipe estava espalhada, tentando achar um lugar para trabalhar, porque não podia ficar na Casa Branca. Depois me lembrei de que não sabíamos onde estava o 3º avião. Havia muita confusão sobre o 3º avião que caiu na Pensilvânia, e houve relatos de que ele estaria a caminho da capital. Eu fui para o telhado do meu prédio, o espaço aéreo estava fechado. Subi lá para ver se eu achava aquele avião. Foi um ato ingênuo, mas passei um tempo lá, olhando. Depois soubemos que o avião tinha caído. 

Isso mudou tudo. Antes disso, eu era repórter político. É um pouco clichê dizer isso, mas, nos EUA, o 11 de setembro mudou tudo. E, depois daquilo, todo mundo que cobria política teve de se tornar repórter de segurança nacional, política externa e terrorismo. A natureza das relações em Washington mudou da noite para o dia. 

Luis Fernando Silva Pinto — Isso foi benéfico para você enquanto formação profissional ou não? 
Ryan Lizza — Eu diria que em 10 de setembro nós estávamos cobrindo uma Casa Branca que defendia cortes de impostos, mudanças na educação e cuja maior questão em 2001 antes de 11 de setembro era se financiaria pesquisas com células-tronco. E a política externa ainda não havia sido definida. Durante a campanha, ele falou nos EUA terem um papel menor o mundo. Depois de 11 de setembro…

Luis Fernando Silva Pinto — O mundo entrou em guerra.

Ryan Lizza —
Sim. A aprovação dele só caía, mas, depois de 11/9, o país todo o apoiou, ele teve muita flexibilidade para fazer o que quisesse, e a história passou a ser, durante os anos seguintes, as novas políticas de vigilância, a política externa hiperintervencionista de 11/9 culminando com o Iraque e, da minha perspectiva, o que eu teria de cobrir, o debate histórico em Washington sobre dar ou não a ele a autoridade para invadir o Iraque. E a reeleição dele, que basicamente foi consequência daquelas decisões de 2001, 2002 e 2003. Todas as consequências do estado de segurança nacional que ele instituíra, da política externa hiperintervencionista, do desastre da Guerra do Iraque e depois uma recalibragem em 2007 e 2008 para tentar controlar um pouco melhor as coisas. Até o próprio Bush e seus principais assessores perceberam que ele tinha ido longe demais em certos aspectos. Ele havia até desrespeitado a lei. Essa foi a curva da presidência dele, e o que eu cobri, o fato importante que comecei a cobrir em 2004, foi a ascensão de Barack Obama. 

Luis Fernando Silva Pinto — Aquele senador jovem de Illinois ganhou destaque na política por causa de Bush…  

Ryan Lizza
— Com certeza. Eu não acho que Barack Obama teria sido eleito se não fosse a oposição dele à Guerra do Iraque. Porque essa diferença entre ele e Hillary Clinton nas primárias foi essencial. Ele ganhou graças a isso, porque foi o que permitiu que ele dissesse: “Apesar de eu não ter muita experiência…” 

Luis Fernando Silva Pinto — “Eu me posicionei.”

Ryan Lizza —
“Eu me posicionei e acertei”, principalmente para os democratas progressistas e os eleitores que eles disputavam. Acho que a História confirmou que ele estava certo e Hillary, errada. Mas se não fosse essa diferença, o que ele tinha? Os progressistas do partido gostavam da posição dela sobre saúde e eles não discordavam muito em outras questões, então, sem isso, ele não a teria superado nas primárias, e até na eleição geral, quando enfrentou McCain, essa ainda era uma questão vital para ele, e o permitiu dizer: “Sim, John McCain é político há décadas, é veterano e herói de guerra, mas eu acertei na Guerra de Iraque e ele errou.” 

Luis Fernando Silva Pinto — Como jornalista, qual foi a coisa menos elogiosa que você escreveu sobre Obama e qual foi a coisa mais elogiosa que escreveu sobre ele? 

Ryan Lizza —
O primeiro artigo que escrevi sobre ele na The Atlantic foi sobre uma viagem dele que acompanhei. Estávamos numa sala e ele fazia ligações para angariar fundos. E ele estava desenhando, é famoso por isso. Escrevi o artigo, entreguei a meu editor, que me ligou e disse: “O artigo está muito interessante, ele é muito interessante, mas está positivo demais. Você já está dizendo que ele pode ser presidente um dia. Ninguém nunca ouviu falar nele. Isso é ridículo”.

Luis Fernando Silva Pinto — Você também achou isso?

Ryan Lizza —
Bem, sem dúvida. Vou contar uma história sobre isso. Antigos conhecidos dele logo diziam: “Sim, ele vai ser presidente um dia.” Ele era uma dessas pessoas que todos achavam que um dia seria presidente, mesmo quando ainda não tinha feito muita coisa, ainda jovem. Acho que essas pessoas acabam acreditando nisso. Ninguém nunca me disse que eu seria presidente, mas ele cresceu cercado por pessoas que o ouviam dizer isso. Enfim, eu reescrevi o artigo e disse: “Tem uma nota característica que acho que devemos incluir sobre Obama: as coisas estão acontecendo tão rápido para ele que talvez ele deva se preocupar em não se precipitar e ficar presunçoso demais.” Eu disse ao editor que notei que, durante as ligações, ele desenhava o que parecia ser um retrato de si próprio. Eu incluí esta anedota no artigo, que Barack Obama estava desenhando a si próprio. A Atlantic é uma revista mensal, e meu artigo foi publicado na semana da convenção democrática na qual ele fez o famoso discurso. Era o discurso principal para John Kerry, que era o candidato democrata aquele ano, e aquela convenção foi tão importante para Obama como foi para Kerry. O candidato era Kerry, mas foi ali que o foguete de Barack Obama foi lançado. E David Axelrod, o assessor político de Obama, quis capitalizar aquela semana e organizou um café da manhã com repórteres para exibir Obama. E, depois do café, Obama veio até mim. Eu não o via desde que tinha estado em Illinois com ele, e ele disse: “Lizza, temos um assunto a tratar.” 

Luis Fernando Silva Pinto — Foi bem direto.

Ryan Lizza —
Foi. Eu estava com um grupo de repórteres. Ele disse: “Você me viu desenhando um magrelo orelhudo e achou que era eu?” Respondi: “É, achei. Foi exatamente o que achei.” Ele pegou meu jornal e disse: “Tenho três desenhos: este rosto, este e este. Achou que este era eu?” “Sim. Parece o senhor.” “Não era eu.” Ele fez isso meio brincando, mas também com firmeza, como: “Quero que você saiba que fiquei chateado com isso e que não era eu.” Mas ele me repreendeu de uma forma muito sutil. E nunca vou esquecer: havia outro repórter comigo. Obama se afastou e esse repórter, que hoje escreve para a revista do NYT, comentou: “Esse cara vai ser presidente um dia.” 

Luis Fernando Silva Pinto — Com base apenas naquela interação. E essa foi a coisa mais ou menos elogiosa? 

Ryan Lizza —
Provavelmente não foi a menos elogiosa, mas para ele talvez tenha sido, porque ele sempre se lembrava. Isso foi em 2004. Todas as vezes que o vi nos 13 anos seguintes, ele mencionou o desenho. Dizia: “Quero lhe mostrar meu novo desenho.” E desenhava no meu bloco. A coisa menos elogiosa…

Luis Fernando Silva Pinto — Menos elogiosa e séria. 

Ryan Lizza —
A reação mais forte dele foi contra um artigo que escrevi sobre a política externa dele. No artigo, um dos assessores dele descreveu a política externa de Obama para mim como “liderando por trás”. 

Luis Fernando Silva Pinto — Hesitante. “Liderando por trás”.

Ryan Lizza —
Bem, é aí que fica confuso. A pessoa estava tentando usar essa frase de forma positiva. Ou seja, “liderar por trás”, ela argumentou, é importante na era pós-Bush porque os EUA precisavam reconquistar a confiança dos outros países, e não poderíamos sair atacando e esperar que os outros nos seguissem. Precisávamos ajudar a empoderar nossos aliados regionais e, francamente, o contexto era especificamente o Oriente Médio, falava especificamente da intervenção na Líbia. Se realmente quiséssemos intervir militarmente na Líbia para ajudar a proteger Benghazi, precisávamos que nossos aliados regionais liderassem, nos defendessem publicamente, porque os EUA não eram mais confiáveis em termos de intervenção militar no Oriente Médio depois do Iraque. Então a pessoa basicamente argumentava que aqueles contrários a essa política não entendiam como liderar por trás podia ser importante. Não significa não liderar, mas liderar de trás: empurrar outros adiante para defender você. Essa pessoa achou que era uma explicação completamente caridosa do que se tentava fazer naquele momento. 

Luis Fernando Silva Pinto — Mas ele não achou.

Ryan Lizza —
Aquela frase foi retirada do artigo e usada pelos adversários de Obama como um momento “a-ha”: “É isso que Barack Obama acha dos EUA, que devemos vir atrás de todos os outros e que não devemos ser uma força no mundo.” O contexto da afirmação se perdeu para sempre, e essa citação foi usada na propaganda política contra ele, saiu na capa da Weekly Standard na semana seguinte e se tornou enormemente… Em 20 anos de jornalismo é, de longe, a citação mais famosa de um artigo meu. E ele contou a alguém em off que, se um dia descobrisse quem tinha dito aquilo, a pessoa seria demitida, e que isso não representava as visões dele sobre política externa. Ele ficou furioso com o artigo. 

Luis Fernando Silva Pinto — Como Trump é para você como presidente dos Estados Unidos? 

Ryan Lizza —
Sempre digo a quem me pergunta como é cobrir a Casa Branca nesse governo algumas coisas de um ponto de vista pessoal e psicológico. A campanha dele foi lançada em junho de 2015, e eu não me lembro um momento, desde então, em que eu não estivesse pensando em Trump, escrevendo sobre Trump, tuitando sobre Trump ou falando sobre Trump. Estou fazendo isso literalmente sem parar há dois anos e meio porque a natureza da candidatura e da presidência dele é que ele é onipresente, totalmente absorvente para quem o cobre. Ele cria tantas notícias e gera tantas controvérsias, tem impacto em tantas partes de nossa democracia e política que, se seu trabalho é cobri-lo, você é totalmente absorvido por ele. 

Luis Fernando Silva Pinto — Cada vez mais, nos canais de notícias americanos, repórteres de jornais impressos são chamados para participar de programas, para fazer comentários e tal. Você acha que eles estão acrescentando algo? Se estão, o quê?

Ryan Lizza —
Acho que sim. E o motivo disso… Trabalho na CNN, então vejo isso de perto. Sou um jornalista de impresso que também faz análises políticas na CNN e há alguns anos, quando comecei, alguém me disse que eram 30 colaboradores. Hoje são 150. Nem todos são jornalistas políticos, mas uma fatia enorme são jornalistas políticos que a CNN contratou para fazer análises no ar e muitos deles são os repórteres investigativos famosos que cobrem Trump. Fahrenthold do Washington Post, Maggie Haberman do NYT, e acho que a CNN reconheceu que há uma quantidade enorme de jornalismo político muito bom, agressivo e inteligente na mídia impressa e que é preciso levar essas pessoas à TV. Quando elas têm um furo importante, a CNN as recebe com exclusividade. Esta foi uma grande mudança: expandir a família de comentaristas da CNN. E a outra coisa que fizeram foi atrair e contratar de fato muitos jornalistas da mídia impressa que são bons escritores e repórteres e ensinar a eles os aspectos televisivos do trabalho. E acho que isso aconteceu em parte por causa da era Trump e de como o jornalismo acontece na era Trump. Essa classe de jornalistas é mais importante do que nunca, então as pessoas os querem falando na TV. 

Luis Fernando Silva Pinto — Você se sente à vontade com a dinâmica entre os progressistas – geralmente os jornalistas – e os outros integrantes muito conservadores das mesas-redondas? E com aquele estilo nervoso de interação? 

Ryan Lizza —
Essa é uma ótima pergunta, porque, como alguém que é um repórter, um jornalista em primeiro lugar e não gosta de ser escalado no papel de antagonista de um estrategista democrata ou republicano, penso muito nisso. Ás vezes você é chamado para uma mesa-redonda na qual é colocado nesse papel de ponto de vista antagônico, e acho que é preciso ter cuidado não para evitar certas circunstâncias, mas se você é repórter de jornal e se vê primeiro como repórter e não como alguém que está ali dando sua opinião. Veja bem, um pouco de opinião é natural em qualquer reportagem. Ter um ponto de vista não é pecado para um repórter, mas a minha opinião é que é preciso ser muito claro com quem o põe na TV em relação a seu papel e às expectativas e tentar não ser escalado num papel com o qual não se sente à vontade. Mas já participei de muitas mesas-redondas da CNN nas quais eu estava lá com alguns comentaristas que apoiam Trump e que às vezes dizem coisas simplesmente erradas. E seu trabalho jornalístico é corrigi-los. 

Luis Fernando Silva Pinto — Ou mentiras.

Ryan Lizza —
Ou mentiras, então eu me peguei muitas vezes este ano discutindo com partidários de Trump, e não se trata de um debate de esquerda contra direita. Na maioria das vezes é um debate entre verdade e mentira. Não me incomoda nem um pouco fazer isso, mesmo que pareça que estou defendendo uma ideologia, porque não acho que revelar mentiras seja algo ideológico. 

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