Judiciário também cumpre papel de intérprete da colaboração premiada
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Embora existente há vários anos no nosso ordenamento, o instituto da colaboração premiada foi objeto de regulação pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, que trata dos meios de obtenção de prova relacionados à investigação das organizações criminosas.
Nos parece fundamental discutir o papel do Poder Judiciário, mais precisamente da figura do juiz nesse meio de obtenção de provas, tendo em vista a importância crescente que o instituto tem adquirido nos últimos anos e a relevância das discussões sobre o tema, motivo pelo qual retomamos as discussões anteriores já iniciadas na coluna Cabe só ao Judiciário analisar efetividade de colaboração premiada.
Em que pese a lei ser clara no sentido de que o juiz não participa das negociações do acordo, é possível destacar o papel do Poder Judiciário em três momentos da colaboração: inicialmente, na fase da homologação judicial, quando o acordo inicialmente é submetido ao controle judicial; num segundo momento, de acompanhamento de eventuais pedidos que demandem intervenção judicial; e, ao final, no momento de concessão dos benefícios. A Lei 12.850 menciona a figura do juiz em diversos momentos ao tratar da colaboração premiada. Inicialmente, no caput do artigo 4º, onde define a autoridade judiciária como competente para concessão dos benefícios pactuados:
“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados(…)”
Num segundo momento, no parágrafo sexto do mesmo artigo, deixa clara a posição equidistante do juiz nas negociações:
“§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
Nos parágrafos sétimo e oitavo, trata da homologação do acordo:
“§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
§ 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.”
Essas são, em síntese, as passagens mais importantes do texto legal que tratam da figura do magistrado.
A homologação trata-se do primeiro ato do juiz no processo de colaboração, por meio do qual o mesmo toma conhecimento do acordo e de seus termos. Por obvio, o juiz não integra participa da negociação do acordo de colaboração, que se dará apenas entre os interessados, devendo manter a equidistância necessária para fins de apreciar a sua higidez quando da homologação. Trata-se de imperativo lógico a fim de garantir a sua imparcialidade.
§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
Uma vez realizado o acordo, o documento que formaliza, acompanhado das declarações do colaborador, bem como documentos eventualmente apresentados pelo mesmo que possam amparar suas declarações, devem ser submetidos à homologação pela autoridade judiciária competente.
No momento da homologação, deve o magistrado atentar-se ao preenchimento de três requisitos: regularidade, legalidade e voluntariedade. Por regularidade, entendemos o atendimento aos requisitos intrínsecos do diploma legal, tais como a participação do defensor, a forma escrita, a disposição das cláusulas, etc.
Quanto à legalidade, deve o magistrado atentar aos requisitos extrínsecos do acordo, no que tange ao respeito aos dispositivos legais vigentes. Assim, o acordo não deve contrariar o sistema jurídico mediante cláusulas ilegais ou mesmo medidas que contrariem o ordenamento jurídico.
Por sua vez, a voluntariedade deve ser aferida pelo propósito livre do colaborador em aderir ao instituto. Nesse caso a lei prevê que o juiz pode ouvir sigilosamente o colaborador na presença de seu defensor. Essa audiência deve ser, nos próprios termos legais, sigilosa e, de acordo com a conveniência, entendemos que deve ser realizada pelo magistrado no próprio local onde o colaborador se encontre custodiado, a fim de garantia do sigilo.
A audiência do colaborador, portanto, é uma mera faculdade e não providência obrigatória para a regularidade do feito.
Desnecessário frisar aqui que os requisitos de voluntariedade e espontaneidade não guardam qualquer relação com eventual prisão cautelar do colaborador, uma vez que esta, preventiva ou temporária, decorre de requisitos próprios previstos na legislação e não tem qualquer impacto para aferição destes requisitos.
Ademais, o STF tem decidido que decisão de homologação do acordo de colaboração premiada trata-se de juízo sobre sua “regularidade, legalidade e voluntariedade) e que apreciação judicial aprofundada somente se dá na sentença, conforme decidido na Pet. 5733-PR, pelo ministro Teori Zavascki, em 23/09/2015:
5. Cumpre registrar que a decisão de homologação do termo de colaboração premiada faz juízo sobre sua “regularidade, legalidade e voluntariedade” (art. 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013). Assim, não há, no ato de homologação, exame de fundo acerca do conteúdo dos depoimentos prestados, os quais só serão objeto de apreciação judicial no momento da sentença, em que as declarações prestadas serão valoradas em face das outras provas produzidas no processo. Nesse mesmo sentido: HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27-8-2015. É na sentença, ademais, que o juiz examinará a própria eficácia de acordo, segundo expressamente estabelece a lei de regência(Lei 12.850/2013, art. 4º, § 11).
Acerca da competência para homologação em tribunais superiores, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento do HC 127.483-PR, em 27/08/2015, ser competência do relator, conforme acórdão abaixo:
2. Nos termos do art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o relator tem poderes instrutórios para ordenar, monocraticamente, a realização de quaisquer meios de obtenção de prova (v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de sigilo bancário e fiscal).
3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
Ainda sobre a homologação, a legislação é clara no sentido da recusa à homologação na ausência dos requisitos legais:
§ 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.
Portanto, ao analisar o procedimento, por sua vez, para fins de homologação, o juiz competente poderá (e aqui entendemos como um poder-dever) recusar a sua homologação caso não atenda aos requisitos legais ou mesmo adequá-la ao caso concreto, como por exemplo, a existências de cláusulas que atentem contra a lei.
O parágrafo 11 estabelece o momento em que a autoridade judiciária apreciará os termos do acordo e sua eficácia. Trata-se do momento em que serão analisados os elementos trazidos pela colaboração e sua efetividade. Ao estabelecer que o acordo será apreciado pela sentença, reforça-se nossa posição no sentido de que a colaboração deve ser submetida a apreciação do juízo de primeiro grau, independente da fase segundo a qual o processo se encontre.
Trata-se, portanto, do momento mais importante da colaboração, em que o magistrado avaliará a eficácia do acordo quanto aos seus objetivos, fixando os benefícios que o colaborador receberá, sempre de acordo com o previsto em lei, a saber: perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou sua substitução por restritiva de direitos.
E aqui deve ser destacado que padece de legalidade qualquer cláusula que estabeleça benefícios em momento anterior a sentença, ou mesmo benefícios que extrapolem as previsões legais. A colaboração premiada não pode ser um cheque em branco nas mãos do negociador, mas sim ater-se exclusivamente aos permissivos legais.
Por outro lado, necessário ainda apontar a indispensabilidade do acordo celebrado entre as partes legitimadas pela lei para concessão dos benefícios ora em comento. Veja-se, a título de registro, notícia recente de que magistrado concedeu
§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.
Recentemente o STF se manifestou, ao analisar a Petição 7003, sob relatoria do ministro Edson Fachin, onde novamente se discutiu os limites da atuação jurisdicional na colaboração premiada, sobretudo no que tange à sua homologação. Como regra, os acordos homologados pelo Supremo Tribunal Federal tem assentado, conforme decidido na Pet. 7.074, que:
6. Conforme já decidiu o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador (HC 127.483/PR, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26.08.2015). Ademais, como expressamente disposto no art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador, razão pela qual os depoimentos colhidos em colaboração premiada não são, por si sós, meios de prova.
Também o ministro Dias Toffoli, quando do julgamento do HC 127.483/PR, acompanhado por unanimidade pelos demais Ministros que integram o Plenário, assim ponderou:
“Esse provimento interlocutório, que não julga o mérito da pretensão acusatória, mas sim resolve uma questão incidente, tem natureza meramente homologatória, limitando-se a se pronunciar sobre a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). (…) Nessa atividade de delibação, o juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não emite nenhum juízo de valor a respeito das declarações eventualmente já prestadas pelo colaborador à autoridade policial ou ao Ministério Público, tampouco confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posteriores.”
Ainda, no voto condutor do ministro Edson Fachin, o mesmo destaca que:
“Logo, nessa fase homologatória, repiso, não compete ao Poder Judiciário a emissão de qualquer juízo de valor acerca da proporcionalidade ou conteúdo das cláusulas que compõem o acordo celebrado entre as partes, sob pena de malferir a norma prevista no § 6º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013, que veda a participação do juiz nas negociações, dando-se concretude ao princípio acusatório que rege o processo penal no Estado Democrático de Direito. Entendimento contrário, data venia, colocaria em risco a própria viabilidade do instituto, diante da iminente ameaça de interferência externa nas condições acordadas pelas partes, reduzindo de forma significativa o interesse no ajuste. Essa “postura equidistante” do juiz em relação às partes no processo penal, informa o comando legal citado que prestigia o sistema acusatório;”
Parece óbvio, portanto, a postura a ser adotada pelo magistrado no momento da homologação do acordo. Por outro lado, não se deve descuidar que, no momento da homologação, sob o prisma de legalidade, devem ser analisadas eventuais cláusulas que atentem contra o sistema jurídico vigente.
Nessa fase de homologação, a Polícia Federal tem defendido uma fase de “validação” das informações apresentadas pelo colaborador, que pode ser compreendida como:
“um processo de confronto dos dados repassados, com escopo de atribui sentido, com base no conjunto de indícios obtidos durante uma investigação. Utiliza obrigatoriamente outras técnicas como forma de demonstrar a coerência e acurácia do dado, bem como corroborar a hipótese estabelecida”[1].
Assim, a partir das declarações do colaborador, estabelece-se uma fase para que seja avaliada a plausibilidade dos dados apresentados, onde se dá o seu confronto com outros elementos de prova de forma a se auferir, em tese, se há possibilidade de atingimento de um ou mais resultados previstos no artigo 4º da Lei 12.850, instalando-se a fase intermediária, ou de investigação propriamente dita, visando alcançar a eficácia dos elementos apresentados pelo colaborador.
Essa fase intermediária perdura até o momento do julgamento do(s) processo(s). Nessa fase, a lei ainda é clara no sentido de que:
“§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial”.”
Nessa fase são buscados outros meios de prova que possam dar concretude e coerência ao depoimento do colaborador e eventuais elementos de prova por ele apresentados, como por exemplo, medidas cautelares de busca e apreensão para localização de objetos, quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico ou telemático, entre outras.
Após a fase de homologação e da fase intermediária, a atuação do juiz se dá no momento da sentença, em que há profunda análise dos elementos trazidos pelo colaborador, à luz dos achados da investigação. Assim, a concessão dos benefícios acordados deve ser analisada pelo juiz no momento da sentença, quando presentes os elementos que lhe permitirão auferir a eficácia da mesma à luz dos fatos apurados.
Somente após essa fase é que o colaborador fará jus aos benefícios previstos na lei, mediante apreciação judicial aprofundada. Nesse momento, o magistrado (ou colegiado) apreciará se o colaborador cumpriu com as obrigações que assumiu no acordo perante o Estado, notadamente ao se atingir os resultados previstos no artigo 4° da Lei 12.850.
O papel do poder Judiciário, ao aplicar a lei ao caso concreto e assim ensejar a discussão das lacunas na lei de organizações criminosas, assume papel fundamental no processo de interpretação do instituto. Além disso, o Poder Judiciário não pode ser visto como um mero “chancelador” dos acordos de colaboração sem aprofundada discussão, sobretudo quanto à sua legalidade e seus limites.
[1] RIBEIRO, Denisse D. R. Notas de aula. Curso de Ferramentas de Combate a Desvios de Recursos Públicos. Academia Nacional de Polícia. Polícia Federal, 2017.
Márcio Adriano Anselmo é delegado da Polícia Federal, doutor pela Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela UCB e especialista em investigação criminal pela ESP/ANP e em Direito do Estado pela UEL.
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Advogado em São José do Rio Preto