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Indiferença ao caso concreto e comprometimento do acesso à Justiça

Advogado em Rio Preto | Amorim Assessoria Jurídica > ADI  > Indiferença ao caso concreto e comprometimento do acesso à Justiça

Indiferença ao caso concreto e comprometimento do acesso à Justiça

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Para o Processo 0188XXX-46.2013.8.06.0001[1], a solução é improcedência liminar com base nas teses decididas nos seguintes recursos: REsp 1.112879/PR, REsp 1.112880/PR, REsp 1.046.768/RS, REsp 1.003.530/RS, REsp 973.827/RS, REsp 1.061.530/RS e REsp 1.251.331/RS. Para o Processo 0XXX621-69.2017.8.06.0001[2], apreendeu-se o bem objeto da controvérsia com fundamento no REsp 1.418.593/MS e no Decreto-lei 911/65.

Nesse cenário, não existem Paulos, Júlios ou Franciscos. Existe apenas o intuito de evitar o “apinhamento”, “avolumamento”, o “abarrotamento” das ações no Poder Judiciário. Tal se deveria, segundo as inúmeras passagens extraídas de debates da comissão de juristas[3], à elevada quantidade de ações judiciais propostas pelos cidadãos brasileiros, inclinados ao litígio. Não diria respeito à falta de disponibilidade temporal dos sujeitos processuais em dedicarem-se ao processo, tampouco à peremptória recusa de cumprimento aos direitos fundamentais por parte do Estado ou mesmo à parca atuação das agências reguladoras em servirem ao propósito para qual foram criadas.

Acompanhando a tendência de homogeneização das decisões judiciais no novo código, foi publicada a Resolução 06 de 2017, no âmbito do Tribunal de Justiça do Ceará. A resolução altera a competência das varas cíveis da capital, passando a atribuir competência específica para demandas em massa. O artigo 2º da referida resolução altera a competência dos juízes de Direito de 13 varas cíveis da capital. Para conferir maior especificidade ao tratamento do tema, vale transcrever o inciso II do artigo 2º, cuja redação é a seguinte: [4]

“Art. 2º Fica alterada a competência dos juízes de Direito de 13 (treze) Varas Cíveis da Comarca de Fortaleza, que passam a ter atribuição privativa e exclusiva para os seguintes grupos de demandas:

II- 5 (cinco) Varas Cíveis Especializadas nas Demandas em Massa, com competência para todas as ações e incidentes que versem sobre revisão de contratos bancários e busca e apreensão em alienação fiduciária”.

O problema ínsito à especialização não se encontra na necessidade de exigir que o juízo se aprofunde nos temas recorrentes das varas especializadas, sobretudo diante da profusa quantidade de precedentes vinculantes na dicção estabelecida pelo novo Código de Processo Civil, além das leis editadas na forma do artigo 59 da CF/88, sem mencionar as resoluções e instruções normativas trazidas pelas agências reguladoras. De fato, tanta normatividade exige um profundo conhecimento de todas as normas a serem levadas a discussão no exame do caso concreto.

A celeuma encontra-se no objetivo propugnado pelo novo código, que não vem sendo cumprido a contento. Sob o manto do tratamento isonômico de demandas semelhantes, conferindo às partes do processo atendimento de expectativas de integridade e coesão do sistema, passa-se a conhecer os resultados da demanda ainda antes do debate ser estabelecido. E, para tal despropósito, não existe esforço argumentativo suficiente. Significa dizer, em analogia do que ocorre em competições esportivas, que a partida estará decidida antes mesmo do jogo iniciar.

A previsão dos precedentes obrigatórios constantes do artigo 926 e 927 do código não autoriza a imediata adequação da causa de pedir próxima às razões de decidir dos casos anteriormente julgados, sem que haja uma atenta incursão nos fatos que conduziriam o juízo alcançar resultados idênticos. É dizer, cada caso ainda é um caso.

Na tradição do common law, os juízes e demais atores processuais possuem uma absoluta obsessão pelos fatos, pois serão eles a delimitar a incidência da regra legal e as razões de decidir em determinado sentido. Verdade que, com institutos como os precedentes obrigatórios, também surgiram no cenário jurídico definições como o que seria o distinguishing, essencial à verdadeira compreensão do que seria diferenciar os inúmeros casos semelhantes para melhor aplicá-los. Inclusive, é importante ser esclarecido que o silogismo jurídico ensinado para subsunção da premissa maior, a lei, à premissa menor, os fatos concretos, necessita ser conciliado com as inúmeras premissas que se sobrepõem para a interpretação de diversos casos incidindo acerca do mesmo tema ao falar dos precedentes aplicáveis ao caso.

O jurista treinado na tradição do common law, sistema esse assimilado em alguns dos institutos do código de processo, obriga que seja prestada larga deferência aos fatos debatidos no caso concreto e submetidos à instrução processual. Sem incursão detida ao caso concreto, o transcurso do processo nada mais serve do que institucionalizar a desigualdade processual.

Enquanto a parte abastecida de recursos financeiros dispõe de ampla oportunidade de produzir provas que corroboram os fatos trazidos na ação, a parte hipossuficiente, dependente da estrutura do Judiciário, restará ao desamparo, pois, nessa hipótese, bastará ao juiz encerrar a fase de instrução sob o argumento de não haverem provas a serem produzidas por se tratar a decisão de matéria de direito.

O argumento de que a carga dinâmica de distribuição do ônus da prova, artigo 373 CPC, encerraria a celeuma, possibilitando ao juiz no caso concreto reputar uma parte mais habilitada para produzir determinadas provas, evitando que o direito material discutido seja comprometido com a deficiência de um dos polos da relação processual, não afasta o problema. O inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor existe há décadas e, nem por isso, deixou-se de julgar o processo no estado em que se encontra sob o argumento de tratar-se o tema de matéria de direito.

Lamentável, mas até o momento fez-se letra morta do artigo 371 do CPC, que dispõe: “O juiz apreciará a prova constante dos autos independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”. O STJ, mesmo sob a égide do novo Código de Processo Civil, que extirpou do seu texto o livre convencimento, repetiu entendimentos adotados sob a vigência do CPC revogado. Na visão do Superior Tribunal de Justiça, já aplicando o artigo 489 do CPC: “3. Houve expressa manifestação quanto à ausência de cerceamento de defesa, pois as provas se destinam ao livre convencimento do juiz e, se este as considera suficientes para tanto, não há necessidade de se produzir outras. Cerceamento de defesa não configurado” (EDcl no REsp 1.364.503/PE, rel. ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 9/8/2017).

Destaque-se ainda: “2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art.489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida” (EDcl no MS 21.315/DF, rel. ministra Diva Malerbi (desembargadora convocada, TRF 3ª Região), 1ª Seção, julgado em 8/6/2016, DJe 15/6/2016).

Ademais, necessitar aguardar a ocasião da interposição do recurso de apelação para resolver um problema tão singelo quanto o direito das partes em exercer o contraditório configura por si só mácula ao devido processo legal em sua acepção substancial.

E como o convencimento, em última análise, há de ser exercido sobre o juiz da causa, por vezes, mostra-se extremamente dificultoso “constranger” o juiz a dilatar a instrução processual, pois, ainda que mais provas necessitem serem trazidas ao exercício do contraditório, a antecipação para negar o direito indica por si só que o juiz se encontra apto para alcançar sua deliberação independente do que a parte esteja disposta a produzir. Aqui, de lege ferenda, valeria fazer com que o processo não retornasse ao mesmo “juízo especializado”, já que a especialização está a criar juízes que decidem “de um lado só”.

Assim, acaso o juiz delibere por antecipar o julgamento do processo e surpreenda a parte com um julgamento de improcedência liminar, aberta estará a possibilidade de interposição de apelação pugnando pela nulidade, pois a subversão do transcurso do processo impossibilitou a parte de convencer o juízo acerca da existência do direito discutido. Então, neste aspecto, estará o incremento do esforço argumentativo em superar a aplicação do precedente, produzindo-se todo um arsenal probatório. A produção de provas, contudo, apenas é possível acaso o juiz perceba a disparidade das partes presentes no processo e o corrija através dos instrumentos disponíveis, seja a carga dinâmica de distribuição do ônus da prova, seja através de instrumentos disponíveis em microssistemas, tais como no Código de Defesa do Consumidor.

A especialização das varas cíveis surge em momento delicado no cenário de acesso à Justiça, uma vez que as reiteradas tentativas do Tribunal de Justiça do Ceará em aumentar as custas resultaram na propositura da ADI 5.470 MC/CE, pelo Conselho Federal da OAB. Na ocasião, tendo por relator o ministro Teori Zavascki, foi deferida a liminar, pois se entendeu “presente o periculum in mora decorrente da própria exorbitância do valor exigido a titulo de custas jurisdicionais, o que, nos termos da Súmula 667 do STF, com as observações acima realizadas quanto ao limite máximo constante da lei impugnada, afronta igualmente o direito ao livre acesso ao Poder Judiciário” (ADI 5.470 MC, relator(a): min. Teori Zavascki, julgado em 30/6/2016, publicado em Processo Eletrônico DJe-139; divulg. 1º/7/2016; public. 1º/8/2016).

Após o deferimento da liminar, veio a lume a Lei estadual 16.132/2016, na qual foram definidos novos valores para cobrança de custas no estado do Ceará. Em virtude da edição da nova lei, promoveu o Conselho Federal da OAB o aditamento do pedido, por entender que a mácula que acoima a lei anterior não se exauriu com a edição da nova lei.

Nesse cenário, no qual o acesso à Justiça encontra-se sob ataque, cabe indagar se, em última analise, não seria o intuito criarem-se varas especializadas para julgar as demandas “das massas”, ao tempo em que se mantém juízos para “very imporant person” ou VIPs, dispostas a arcar com custas proibitivas, ampla oportunidade de produzir prova e, assim, demonstrar a “distinção” de sua causa.

Mariella Pittari é defensora pública do estado do Ceará, especialista em Direito Público, alumni do Institute for U.S Law, Washington DC, e aluna do programa Master em Laws na Cornell University.

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