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Entrevista: Cristiano Maronna, presidente do IBCCrim

Advogado em Rio Preto | Amorim Assessoria Jurídica > ADI  > Entrevista: Cristiano Maronna, presidente do IBCCrim

Entrevista: Cristiano Maronna, presidente do IBCCrim

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Há quase 25 anos, na mesma época em que policiais militares mataram 111 presos do complexo do Carandiru, um grupo de profissionais do Direito se organizou para estudar e criar iniciativas com enfoque nos direitos fundamentais. Enquanto processos criminais sobre o caso no presídio paulista continuam sem solução, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais mantém seu entendimento de que “bandido bom é bandido vivo”, como define seu atual presidente, Cristiano Maronna.

Para o criminalista, o pensamento da sociedade brasileira regrediu nos últimos anos e, mais recentemente, permitiu que o discurso do combate à corrupção servisse para defender o mero punitivismo. Com troca proposital de palavras, ele afirma que “as dez propostas do Ministério Público Federal contra a Constituição, ops!, contra a corrupção” atingem todos os tipos de delitos — que são ignorados na propaganda feita pelos seus defensores.

O advogado avalia que essa bandeira prejudica discussões mais urgentes no Brasil. “São mais de 60 mil mortes violentas por ano. Nem zonas de guerra têm índices tão altos. (…) Esse é o debate que a sociedade brasileira precisa realizar.” Uma das prioridades defendidas pelo IBCCrim é diferenciar uso de drogas do tráfico e mudar as políticas de encarceramento.

Maronna diz que não teme ver a proposta relacionada pela opinião pública à maior impunidade. “O IBCCrim nasceu há 25 anos já adotando uma posição contra hegemônica.” O aniversário da entidade e o debate sobre o Direito Penal brasileiro são temas do 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, que terá início nesta terça-feira (29/8) em São Paulo.

Cristiano Maronna recebeu a ConJur durante os preparativos do evento, na sede do instituto, entre a catedral da Sé e o Tribunal de Justiça de São Paulo. Formado pela Faculdade de Direito da USP, é mestre e doutor pela mesma instituição e, aos 47 anos, compartilha o tempo com causas criminais no escritório Maronna, Stein & Mendes e a secretaria-executiva da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, rede de organizações não governamentais.

Leia a entrevista:

ConJur – O editorial do último boletim publicado pelo IBCCrim, em agosto, diz que o instituto trabalha com três pautas estratégicas: reversão do superencarceramento, combate à violência e à letalidade policial. O senhor considera esses problemas urgentes?

Cristiano Maronna –
Todos esses assuntos são inter-relacionados e envolvem diretamente a democratização do sistema de Justiça. Nós temos uma política criminal que vem se retroalimentando e apresentando resultados desastrosos. Quanto mais prendemos e construímos presídios, mais o crime organizado se fortalece.

Qual é a prioridade número um que temos no Brasil? Para mim não é combate à corrupção, mas à violência. São mais de 60 mil mortes violentas por ano. Nem zonas de guerra têm índices tão altos. Nós temos um sistema de justiça criminal extremamente caro, com índice baixíssimo de esclarecimento dessas mortes e uma das maiores taxas de letalidade de óbito policial. Nós temos uma Polícia Civil corrupta e uma Polícia Militar que é uma máquina mortífera. Tanto o Judiciário quanto o Ministério Público têm responsabilidade nessa situação. Esse é o debate que a sociedade brasileira precisa realizar.

ConJur – O que a entidade tem feito sobre o tema?

Cristiano Maronna –
Na área da atuação política, lançamos 16 medidas contra o encarceramento em massa ao lado da Pastoral Carcerária, da Associação de Juízes pela Democracia e do Centro de Estudos em Discriminação e Desigualdade da UnB, coordenado pela professora Beatriz Vargas. Já conseguimos apoio de 70 outras entidades e, das 16 propostas, temos 13 projetos de lei tramitando hoje no Congresso Nacional. Essa é uma iniciativa do nosso departamento de estudos e projetos legislativos, que é coordenado pelo Luiz Guilherme Paiva, lançada em material em formato de projeto de lei, com proposta de redação, justificativa e o dispositivo legal que precisa ser alterado. Basicamente, sugerimos alteração do Código Penal, do Código de Processo Penal, das leis de execução penal, da Lei de Drogas e da Lei dos Crimes Hediondos.

A proposta inclui ainda mudança no regimento interno da Câmara dos Deputados para que todo projeto de lei sobre aumento de pena, criação de crime ou qualquer forma de endurecimento da execução penal seja precedido de estudo a respeito do impacto econômico e financeiro, para que o legislador possa tomar uma decisão baseado na maior quantidade de informações possíveis. Precisamos levantar a discussão a respeito do impacto financeiro que o sistema de justiça criminal representa.

Outra proposta que apresentamos nas 16 medidas é a criação de ouvidorias externas, tanto no Judiciário, quanto no Ministério Público e também no sistema prisional. Nós entendemos que o controle externo da atividade do Estado é essencial.

ConJur – Propostas antiencarceramento não podem ser compreendidas pela população como institucionalizar a impunidade?

Cristiano Maronna –
O IBCCrim nasceu há 25 anos já adotando uma posição contra hegemônica, a partir da ideia de que bandido bom é bandido vivo, com seus direitos respeitados e execução de pena de forma digna. Infelizmente a sociedade brasileira regrediu muito nesses 25 anos nessa questão: o discurso do ódio e a ideia de que direitos humanos atrapalham, são privilégios, tudo isso mostra o nosso baixo déficit civilizatório. Mostra que vivemos uma democracia de baixa intensidade também porque culturalmente nós temos muito a evoluir. O reflexo dessa necessidade de evolução se expressa também no senso comum a respeito do sistema de justiça criminal, que acaba contaminando os próprios operadores do Direito.

ConJur – O Judiciário hoje acompanha essa tendência?

Cristiano Maronna –
O juiz Marcelo Semer tem uma frase que considero bastante sintética para resumir isso: quando o juiz deixa de seguir a Constituição para deixar se levar pela voz rouca das ruas, quem perde é o Estado de Direito. Quer dizer, o papel do Judiciário é justamente esse papel de garantidor dos direitos fundamentais ainda quando a maioria política se mostra favorável à sua violação. O Judiciário é aquela última fronteira que vai proteger o núcleo intangível que garante a democracia. Ou pelo menos deveria ser. Infelizmente no Brasil o Judiciário vem abrindo mão de exercer esse papel. A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de execução provisória da pena é um bom exemplo desse fenômeno.

ConJur – Ministros têm sinalizado que a corte pode alterar de novo a jurisprudência, retomando a espera pelo trânsito em julgado. O senhor acredita que isso seja possível?

Cristiano Maronna –
Eu espero que sim, porque a manutenção desse posicionamento é trágica tanto do ponto de vista estritamente jurídico quanto do ponto de vista social.

ConJur – Quais processos no Supremo sobre política criminal têm sido acompanhados de perto pelo IBCCrim?

Cristiano Maronna –
Se destacarmos apenas o que foi feito desde janeiro, quando iniciou a atual gestão, entramos com oito pedidos de habilitação no Supremo Tribunal Federal como amicus curiae em assuntos como a condução coercitiva (ADPF 395); a Proposta de Súmula Vinculante 125 sobre tráfico privilegiado; coleta de material genético de condenados (RE 973.837) e natureza da pena de multa (ADI 3.150). Fomos representados pelo Gustavo Mascarenhas em audiência pública sobre o direito ao esquecimento (RE 1.010.606) e também ingressamos na ADPF 442, sobre descriminalização do aborto; na ADPF 347, para reconhecimento de coisas inconstitucional; no Recurso Extraordinário 806.339, que discute a necessidade de aviso prévio para manifestações, e no ARE 905.149, a respeito do uso de máscaras em manifestações.

Além desses processos, temos quase duas dezenas de outros casos de amicus curie. Um deles é o Recurso Extraordinário 635.659, sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, numa articulação que o IBCCrim faz com a Plataforma Brasileira de Política de Drogas. Inclusive estamos agora apresentando um novo memorial pedindo a retomada do julgamento, suspenso desde outubro de 2015. O ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos e, depois de falecer, foi substituído pelo ministro Alexandre de Moraes, que recentemente declarou que está estudando o assunto, mas não deu qualquer indicação a respeito da data em que o recurso deve retornar ao Plenário. Acreditamos que esse julgamento é fundamental para o país.

ConJur – Por quê?

Cristiano Maronna –
A pauta das drogas avança no mundo todo: no Uruguai já há um modelo regulatório da cannabis e, no Canadá, salas de uso seguro têm apresentado resultados positivos em termos de saúde pública. Está em andamento a “revolução psicodélica” [como tem sido chamado o maior número de pesquisas sobre efeitos terapêuticos de drogas psicoativas]: o uso do MDMA no tratamento do estresse pós-traumático, além do LSD, da cannabis medicinal, da ibogaína e da ayahuasca, de modo que essa questão das drogas avança no mundo todo, mas no Brasil infelizmente caminhamos a passos de cágado. Enquanto quase toda a América Latina deixou de criminalizar a posse para uso pessoal, nós somos um dos últimos países da região a fazer isso. E é esse o resultado que haveria com a declaração de inconstitucionalidade. Apenas a posse para uso pessoal deixaria de ser considerado crime e o tráfico de drogas continuaria a ser crime.

A Lei de Drogas é um dos principais vetores encarceradores no Brasil. A jurisprudência que se consolidou contraria a Constituição, porque admite a condenação por tráfico de drogas com base apenas na presunção, sem a prova concreta de tráfico, baseada na palavra do policial, que não é prova no sentido estrito, tendo em vista que o policial não é testemunha, não é um terceiro desinteressado que vai contribuir de forma neutra com o esclarecimento da verdade, mas um agente da lei diretamente interessado no reconhecimento da regularidade da própria ação. Até porque se essa regularidade da ação não for reconhecida, ele pode ser punido administrativamente. No entanto, a base das condenações por tráfico de drogas no Brasil tem como fundamento a palavra do policial e a quantidade da droga apreendida, que também é outra questão fonte de muita polêmica porque a mesma quantidade que para um juiz demonstra tráfico de drogas, para outro representa uso.

O desembargador Guilherme Nucci fala dos pontos cegos da Lei de Drogas a respeito dessa indistinção entre usuários e traficantes, mas eu, com todo respeito, penso que há uma cegueira hermenêutica deliberada. Como já declarou o ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 635.659, a presunção não pode ser admitida à luz da Constituição Federal, que consagra a presunção da inocência. No entanto, no Brasil a regra da aplicação da lei de drogas é essa, a pessoa flagrada com drogas tem o ônus de provar que não é traficante. Se você é um homem branco, privilegiado, com holerite, carteira assinada, e condições de provar que subsiste de um trabalho honesto, então não é tão difícil ser considerado usuário. Mas se você é pobre, preto, periférico, a situação é diferente. No caso das mulheres é ainda pior: 70% das presas estão lá por causa da Lei de Drogas.

ConJur – O senhor avalia que também é inconstitucional jurisprudência admitindo que a polícia entre em domicílio sem mandado, quando há suspeita da ocorrência de tráfico?

Cristiano Maronna –
Essa é uma questão de difícil resolução porque o fato de o crime de tráfico de drogas ser considerado permanente acaba funcionando com a carta branca para o abuso, para o arbítrio. O Supremo Tribunal Federal não deu balizas claras para limitar essa atuação, de modo que a prática é comum e acontece geralmente em localidades pobres, porque a polícia não costuma invadir domicílios em bairros nobres das grandes cidades. Isso reforça o papel seletivo do Direito Penal, que não incide da mesma forma sobre todos, ele tem uma clientela preferencial. Basta ver o perfil dos nossos presos: a grande maioria é jovem de 18 a 29 anos, negra ou parda, com baixa escolaridade. Nós temos um perfil prisional que reforça a ideia de que o Direito Penal exerce um papel de controle social muito perverso, que é o de gestão penal da miséria.

Por isso o IBCCrim existe, para fazer essa crítica e para propor soluções alternativas. O instituto nasceu em outubro de 1992, logo após o massacre do Carandiru, e 25 anos depois continua atual e necessário, porque a questão prisional e a violência não foram resolvidas.

ConJur – O impasse sobre a responsabilização de policiais militares justamente no caso Carandiru, 25 anos depois, sinaliza isso? [O julgamento de 74 PMs foi anulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, devendo recomeçar do zero.]

Cristiano Maronna –
Exatamente, o Carandiru é uma memória atual, a impunidade gerada pela morte de 111 presos é a realidade que vivemos hoje. Aliás, vivemos nesses últimos anos uma espécie de apoteose cívica no que diz respeito ao combate da corrupção. A corrupção se tornou o tema do momento, a grande prioridade nacional. Eu não discordo de que esse é um tema importante de fato, embora a meu ver tenha sido muito mal tratado, tanto pelos operadores do Direito quanto pela mídia e pelo senso comum em geral. A gente ouve muito discurso contra a classe política, quando na verdade os políticos representam a sociedade em que nós vivemos. Eles não vieram de outro planeta, eles vieram de dentro da sociedade, portanto representam exatamente aquilo que a sociedade é. O segundo aspecto é o papel do poder econômico na corrupção do poder político. Não é uma coisa eventual, não é um setor específico da economia como se queria fazer crer o setor da construção civil. A corrupção do poder político pelo poder econômico é o tema que precisa ser debatido. É preciso adotar controles, mecanismos de fiscalização capazes de democratizar o funcionamento do mercado.

Interessante apontar a contradição entre o mito de que no Brasil a impunidade impera e a existência de mais de 700 mil presos – se considerarmos que no último censo do Depen, em 2014, eram 622 mil pessoas. Se já temos hoje a quarta maior população prisional do planeta, o que será do nosso sistema prisional se cumprirmos a promessa de combater a impunidade? Mas o mito da impunidade foi apropriado por certos setores para promover uma campanha de recrudescimento da punição em geral. Se tomarmos como exemplo as dez propostas do Ministério Público Federal contra a Constituição, ops!, contra a corrupção… O pacote contém um programa de alteração profunda tanto do Código Penal quanto do Código de Processo Penal em geral. Isso vai ter impacto em todos os delitos e não só nos crimes de corrupção.

ConJur – É apenas uma embalagem, na sua opinião?

Cristiano Maronna –
O combate à corrupção se tornou uma bandeira política também para mudar a política criminal. E o que é pior, para inviabilizar outros debates essenciais, como as 60 mil mortes violentas por ano no Brasil.

ConJur – As 10 medidas contra a corrupção foram tema de debate no último Seminário Internacional de Ciências Criminais. Quais assuntos serão tratados na edição deste ano?

Cristiano Maronna –
Nosso seminário está especialmente interessante neste ano. Vamos comemorar os 25 anos de IBCCrim, com a presença de ex-presidentes e grandes nomes que passaram pelo instituto nesse período. Teremos um ganhador do prêmio Pulitzer, Douglas Blackmon, que vai falar sobre o sistema de justiça nos Estados Unidos como extensão da escravidão para além da guerra civil.

Teremos um painel sobre o papel do juiz criminal, com o desembargador Amilton Bueno de Carvalho e o juiz Luís Carlos de Valois, responsável pela execução penal no Amazonas. A pergunta é: o juiz é agente de segurança pública? Pelo figurino constitucional, entendo que não, pois o juiz tem compromisso com a Constituição, com a garantia dos direitos. Também teremos discussão sobre cautelares reais, com a Carolina Yumi de Souza e o Rubens Casara, e uma discussão sobre reforma processual penal com os professores Eduardo Gallardo Frías, do Chile, e Geraldo Prado.

No dia 30 vamos ter debate sobre drogas, gênero e raça com a Luciana Boiteux e Nathália Oliveira, e sobre corrupção e processo de exceção, com a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Carvalho, uma das figuras mais proeminentes do Ministério Público Federal, e o professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, da Universidade Federal do Paraná.

No dia 31 teremos palestra sobre desigualdade social e Direito Penal com o professor espanhol Jesús Maria Silva Sánchez, hoje um dos principais nomes da dogmática penal no mundo todo. A professora Susana Aires de Sousa, de Portugal, vai falar sobre autoria e concurso de pessoas na criminalidade empresarial.

Também de Portugal, o professor Rui Cunha Martins vai tratar da admissão e exclusão de provas junto com Fabricio Guariglia, da Argentina. E o réquiem para a presunção de inocência? É uma pergunta que estamos fazendo, e o professor Maurício Zanoide de Moraes e o ministro Rogério Schietti, do STJ, tentarão respondê-la. Teremos ainda uma discussão sobre aspectos controvertidos da colaboração premiada com a Fernanda Tórtima e o Gustavo Badaró.

ConJur – Quais aspectos o senhor considera mais controvertidos da colaboração premiada?

Cristiano Maronna –
A questão da colaboração processual alterou profundamente o panorama do sistema de justiça criminal no Brasil. Faz parte de um movimento sincronizado, cuja origem, a meu ver, está nos Estados Unidos com a internacionalização do combate à corrupção a partir da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], a partir do tratado de Mérida [firmado em 2003, contra a corrupção] e especialmente a partir do FCPA [lei anticorrupção norte-americana, de 1977], que num primeiro momento representava uma desvantagem competitiva para as empresas americanas e hoje se transformou numa arma geopolítica do governo. Hoje, nos Estados Unidos, a grande maioria dos casos criminais é resolvida por acordos, são raríssimos os casos que chegam no trial. O sistema permite que o órgão acusatório disponha da iniciativa da ação penal com 100% de liberdade. No Brasil é diferente, temos como regra constitucional a obrigatoriedade da ação penal, o que ajudou a gerar aspectos controvertidos na teoria e na prática, que serão discutidos no seminário.

No dia 1º de setembro, teremos também uma palestra sobre acordos de livre comércio e o sistema internacional de direitos humanos, com a professora Ana Isabel Pérez Cepeda, da Espanha. E o professor espanhol Juan Luis Gómez Colomer vai falar sobre investigação e prova dos delitos de corrupção: um tema muito atual, em especial a questão da ação controlada.

A programação inclui um painel sobre encarceramento em massa, com a professora Camila Nunes Dias, uma das principais estudiosas do tema penitenciário e das facções criminosas, e com o Pedro Vieira Abramovay, da Fundação Getulio Vargas. Desafios do sistema de justiça é o tema do painel de encerramento, com três mulheres especialistas em ciências criminais: a professora Beatriz Vargas Ramos, da UnB; a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat e a professora da GV Maíra Rocha Machado. Acho que uma das formas de a gente combater esse déficit civilizatório no Brasil é qualificar o debate.

ConJur – Quais outras atividades do IBCCrim o senhor destaca?

Cristiano Maronna –
Realizamos neste ano cinco mesas de estudos e debates, organizados por nosso coordenador Mauricio Ribeiro; promovemos em 17 cidades diferentes o Laboratório de Ciências Criminais, uma iniciação científica destinada a estudantes de Direito, dirigida pela Natalia Sanzovo, e consolidamos o posicionamento do IBCCrim sobre a reforma do Código de Processo Penal, com a grande colaboração do diretor Renato Vieira.

Recebemos uma notícia muito positiva: a Revista Brasileira de Ciências Criminais, que é uma das nossas principais publicações, teve seu conceito ampliado de B1 para A1, o mais alto definido pela Capes/Qualis. A promoção é resultado de um grande trabalho da antiga coordenadora da revista, Marina Pinhão Coelho, e da atual responsável, Mariângela Magalhães. Também atualizamos as regras para o concurso de monografias, com base em proposta do nosso diretor, professor Frederico de Almeida.

A gente tem também nossa biblioteca, a mais completa da área de ciências criminais na América Latina. Desde a fundação do IBCCrim, completamos a digitalização de todos os periódicos científicos. O mesmo ocorreu com a nossa midiateca: todos os eventos promovidos pelo IBCCrim estão agora disponíveis para consulta online. Realizamos ainda dois cursos em parceria com a Universidade de Coimbra, presencialmente e a distância, e promovemos neste ano, em São Paulo, a décima edição do curso “Maria, Marias”, para formar defensoras populares a respeito dos direitos das mulheres e direitos humanos em geral, com foco na Lei Maria da Penha, em parceria com a União de Mulheres. No Brasil a morte de mulheres por companheiros é uma constante, não é algo esporádico, faz parte da nossa cultura machista.

ConJur – O senhor então considera adequada a tipificação específica para esse tipo de crime, o feminicídio?

Cristiano Maronna –
Sim, sem dúvida. Mas só a lei não basta. A mudança da cultura exige o envolvimento da sociedade. Por isso o IBCCrim realiza há mais de dez anos essa capacitação e criou outro curso voltado apenas para advogadas e advogados sobre violência de gênero, com enfoque jurídico.

Aliás, temos adotado o princípio de que todo evento do IBCCrim deve contar com homens e mulheres em mesmo número. A época do painel composto apenas por homens acabou, não é mais aceitável. Hoje em dia há homens e mulheres tão qualificados quanto para falar sobre qualquer assunto.

ConJur – Sobre a reforma do Código de Processo Penal, que o senhor comentou, o tema se arrasta pelo menos desde 2010. O assunto pode entrar na pauta próxima do Legislativo, no atual cenário turbulento? O que precisa ser modificado logo?

Cristiano Maronna –
No momento em que a gente está vivendo é sempre difícil fazer qualquer prognóstico… E a gente está vivendo também uma crise de representatividade, com mais de um terço do Congresso envolvido em denúncias de corrupção. Mesmo assim, vamos apresentar um trabalho aos congressistas antes da votação do Projeto de Lei 8.045/2010.

Nossas 16 medidas contra o encarceramento em massa já tratam da importância de que se reconheça a figura do juiz de garantias. É inacreditável que o juiz responsável por conduzir a investigação seja o mesmo juiz que julgará a ação penal. Ora, se o advogado questiona a legalidade de uma busca e apreensão ou uma interceptação telefônica na fase pré-processual, quem vai julgar é o autor da suposta ilegalidade? É evidente que ele vai dizer que o ato que ele praticou é legal. O juiz de garantias é uma decorrência natural da ideia de juiz imparcial.

ConJur – Outro objetivo das medidas é mudar o Código Penal e impedir a prisão de quem praticou roubo insignificante, correto?

Cristiano Maronna –
Não, a gente propõe que seja positivado o princípio da insignificância, hoje inexistente na lei, porque algumas decisões judiciais ainda deixam de aplicar a bagatela sob a justificativa de que é apenas uma construção interpretativa da hermenêutica. Para que esse argumento não seja mais utilizado, nós estamos propondo que em casos de ínfima lesão do bem jurídico, em que há uma mínima ofensividade, não haja punição no campo do Direito Penal. Estamos defendendo a ideia de que o Direito Penal não é nem a prima rascio, nem a única rascio, mas a ultima et extrema rascio.

ConJur – Ainda sobre as soluções contra o encarceramento, o senhor avalia como avanço as audiências de custódia [iniciativa que garante ao preso em flagrante o direito de ser ouvido por um juiz em até 24 horas]?

Cristiano Maronna –
A minha avaliação é que a audiência de custódia é mais uma tentativa de obrigar os juízes a cumprir a Constituição, como ocorreu com algumas mudanças legislativas nos últimos anos. Falta ainda lei, pois o modelo atual é baseado em norma administrativa do Conselho Nacional de Justiça, sujeita a alteração a qualquer tempo.

Acredito que a audiência de custódia pode ter um resultado positivo se ela for levada a sério. Por exemplo, a única função é avaliar a legalidade da prisão e a ocorrência ou não de tortura. Qualquer outro objetivo, como colher prova ou mesmo já permitir algum tipo de solução, é absolutamente inadequado. Se ela for considerada facultativa, e em especial se a ausência da audiência de custódia não implicar o relaxamento da prisão cautelar, então é melhor nem aplicar. É preciso acabar, por exemplo, com decretos de prisão cautelar em casos de tráfico de drogas que têm como fundamento discursos moralizantes: juízes dizem que a droga está na base dos crimes patrimoniais e causa desassossego à parcela ordeira da sociedade. O sujeito está sendo acusado de um fato concreto, ele não pode se defender de um discurso moralizante. Se a sociedade está desassossegada, a prisão cautelar não vai resolver essa situação.

A gente ouve alguns argumentos contrários à audiência de custódia que são espantosos, um diz que vai aumentar o volume de trabalho, outro diz que isso vai criar um custo adicional de transporte de preso. Nós estamos falando de uma regra que existe na Convenção Americana sobre Direitos Humanos há muitos anos. O Brasil era o último país na América Latina a aplicar isso.

ConJur – Em São Paulo, o senhor avalia que as audiências de custódia têm funcionado?

Cristiano Maronna –
Até onde nós sabemos em São Paulo as audiências de custódia têm sido implementadas a contento, embora não tenham ocorrido em plantões de final de ano. Nessa época, o tribunal criou uma espécie de estado de sítio informando que os direitos seriam colocados numa espécie de coma induzido. Plantão não pode implicar suspensão de direitos.

ConJur – A opinião pública tem questionado as penas da Loman [Lei Orgânica da Magistratura], cuja maior punição é a aposentadoria compulsória. O senhor avalia que as sanções são adequadas?

Cristiano Maronna –
O Poder Judiciário como um todo precisa de uma profunda reestruturação. Eu acho que a questão das punições disciplinares precisam ser revistas sim, mas acho que não só. A questão da remuneração é central hoje em dia. Me parece inadmissível que magistrados e membros do Ministério Público recebam salários acima do teto quando o país vive uma grave crise orçamentária que compromete o funcionamento de serviços básicos.

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