Entrevista com Marcos da Costa — OAB SP
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À frente de parte significativa da advocacia nacional, Marcos da Costa, presidente da OAB SP, festeja a realização este ano em São Paulo, após 47 anos, do maior encontro da classe, a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Espaço para amplos debates e aperfeiçoamentos, além de ter sido ao longo de seus 60 anos de existência marco de influência no cenário político e social do país, a Conferência de São Paulo fez bonito ao bater recorde de público e enfrentar questões complexas do momento atual, dando à advocacia o histórico papel de contribuir para a construção da Nação brasileira.
Discussões em torno da área jurídica viraram protagonistas da vida nacional nos últimos anos. Quais desafios essa exposição trouxe para a advocacia?
Vejo como demonstração de evolução democrática a sociedade passar a prestar atenção às questões ligadas à Justiça. Caso, por exemplo, das discussões sobre os nomes indicados para o Supremo Tribunal Federal. Agora, por sermos um país marcado por períodos de rupturas institucionais, muitos ainda não conseguiram compreender qual é efetivamente o papel do Judiciário, sua estruturação, as funções exercidas por cada agente do sistema de Justiça e, especialmente, a importância de termos o direito de defesa respeitado em sua plenitude para que a Justiça efetivamente seja realizada. E aí surge a importância do papel da advocacia enfrentando barreiras e incompreensões para fazer com que o direito de defesa seja assegurado em sua plenitude.
A XXIII Conferência teve um balanço altamente positivo. Falou-se, no final, em união da classe. Que efeitos o senhor crê que a “Carta de São Paulo” terá?
A XXIII Conferência teve como sua principal marca a defesa dos direitos fundamentais. Em um mundo que vem sendo marcado pelo ódio e pela intolerância, e em nosso país, que se depara com os sentimentos de injustiça e de impunidade diante de denúncias diárias de violência crescente e de corrupção generalizada, o evento serviu como verdadeiro oásis a afirmar e reafirmar que os direitos tão duramente conquistados pela sociedade não são a razão desse quadro caótico, mas sim as questões do próprio Poder Público que não consegue cumprir suas missões mais essenciais. E, ao reunir mais de 20 mil advogados em torno de discussões pautadas por esse tema, mostrou a força da união da advocacia na defesa de nossa profissão e da cidadania brasileira.
Um dos alvos dos debates durante a Conferência foi o Judiciário, principalmente quanto ao abuso de autoridade e a falta de estrutura. Houve críticas à política de metas do Conselho Nacional de Justiça, por medir a qualidade e a eficiência da Justiça meramente por números. Há obstáculos para acesso ao Judiciário?
É importantíssimo a sociedade passar a discutir questões sobre o Judiciário. Precisamos debater qual Judiciário queremos. Quando se fala, por exemplo, em 100 milhões de processos, devemos ter claro que 50 milhões desse montante são execuções fiscais. Ou seja, metade da demanda judicial é do próprio Estado e na outra metade também temos forte presença do Estado, como autor ou como réu. Portanto, o maior demandante da Justiça é o Poder Público. Esse é um ponto. Segundo ponto a considerar: esse Poder Público, que é o grande mandante concorrendo conosco na busca do serviço judicial, é quem mais deveria investir no Judiciário. Porém, o que temos visto é uma diminuição da participação do Poder Judiciário nos orçamentos. Há um terceiro lado que precisa ser discutido, que é o Judiciário olhar para suas próprias questões, melhorando sua gestão. A Lei Orgânica da Magistratura (Loman), por exemplo, data da década de 70 e, até hoje, não foi discutida à luz da Constituição democrática de 1988, porque o STF não encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei para a sua adequação. A Constituição Federal prevê que a Loman só pode ser debatida no Congresso Nacional por iniciativa do próprio Supremo. Então, a Conferência serviu para discutir essas situações, mostrar que a demanda judicial, a litigiosidade, no que diz respeito ao Judiciário, é sinal de cidadania, não de conflito social. É sinal que nos conflitos, nas demandas judiciais, atingimos um grau de maturidade que buscamos para a solução de nossos problemas.
Outro tema bastante discutido no encontro foi a defesa das prerrogativas da advocacia. Há o que comemorar?
Temos muitas comemorações. Uma delas, que representa uma conquista para a cidadania, foi a alteração do nosso Estatuto, há um ano, acrescentando uma nova prerrogativa, da possibilidade de o cidadão se defender por intermédio do advogado dentro das investigações. Existe uma tradição no Brasil de entender que a investigação é neutra, não deve ter nem acusação, nem defesa. Quando o Ministério Público passa a se arrogar no direito de promover investigações, o cidadão também passa a ter direito de fazer com que sua defesa se antecipe e acompanhe essas investigações. Podemos comemorar também os avanços na tramitação do projeto de lei que criminaliza o desrespeito às prerrogativas profissionais e que trará a segurança de que o direito de defesa do cidadão será exercido na sua plenitude. Quando vamos numa delegacia e somos impedidos de ter acesso aos autos, há prejuízo à nossa atividade profissional, mas, acima de tudo, há prejuízo ao cidadão, que não sabe qual tipo de acusação está sendo imputada a ele.
A reforma trabalhista foi duramente combatida durante a Conferência, com considerações sobre pontos inconstitucionais. Caberá à advocacia buscar definir a reforma que efetivamente teremos?
Temos advogados dos dois lados do processo, os que atuam pelos trabalhadores e os que defendem as empresas, mas dentro da dialética processual, apresentando teses diferentes, fazendo com que a Justiça, a partir das ideias colocadas, possa contribuir de forma mais adequada para os interesses do país. A reforma trabalhista ocorreu num ambiente conturbado, não estava na pauta de debates no momento em que se elegeu o atual Congresso Nacional nas eleições passadas. Portanto, 2018 será uma oportunidade excelente para a sociedade rediscutir esse tema.
Um debate de relevo na Conferência foi a defesa dos direitos fundamentais. Pode-se dizer que estamos diante do desafio de equalizar o necessário combate à criminalidade organizada com a garantia desses direitos e a liberdade de imprensa, sem que isso implique em publicidade opressiva?
É uma questão de amadurecimento do Estado Democrático. Temos de fazer com que o Estado cumpra sua função de prestar Justiça, com a celeridade necessária, ouvindo a acusação e possibilitando que o cidadão promova sua defesa na integridade, inclusive com os recursos a ela inerentes. Por outro lado, a mídia, cuja liberdade é de exercício da democracia, não pode ser instrumento de pressão sobre a isenção e a liberdade de um magistrado, buscando influenciar na sua decisão. Nos EUA, desde a década de 60, são anulados processos onde se verifica que o julgamento pela mídia influenciou o julgamento justo. Na Europa, diversos países vedam a chamada “publicidade opressiva”, onde se utiliza a mídia, inclusive a própria acusação, para pressionar por condenações. A evolução da nossa democracia está a reclamar esse debate também no Brasil.
Qual será a grande missão da advocacia? Na Conferência, as advogadas fizeram um movimento, inclusive cobrando maior participação na OAB. Houve o primeiro encontro da advocacia negra e o encontro da comunidade LGBT.
Não tenho dúvida nenhuma, 2018 é o ano da afirmação dos direitos. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Estamos vendo retrocessos acontecendo em países ditos civilizados, por serem mais avançados do ponto de vista da democracia, discutindo direitos que nos pareciam ser tão essenciais e que estariam incorporados à vida das pessoas. De repente, em pleno século XXI, vemos diversas nações questionando a liberdade religiosa, a questão racial, com as barreiras às imigrações, e o direito das minorias, com o movimento LGBT. Tudo isso é muito preocupante. No Brasil, vemos também esses movimentos e isso faz com que precisemos, mais uma vez, reafirmar os direitos individuais e sociais. A advocacia tem sido a porta-voz dessas bandeiras em defesa dos direitos dos cidadãos.
Que papel podem ter os advogados nesse processo considerando que a “Carta de São Paulo” exorta a sociedade a participar de uma corrente de conscientização sobre o dever cívico do voto e suas consequências para a nação?
A advocacia continuará a exercer seu papel fundamental de defesa do cidadão que tiver um direito violado. Mas também reivindicando ao país a agenda de transformação social, promovendo debates sobre temas ligados à cidadania, na sua entidade, a OAB, assim como denunciando e fiscalizando para que as autoridades não deixem de cumprir o seu papel, desviando-se dos interesses da sociedade para promover o seu próprio interesse pessoal.
Entre as ações específicas da OAB em prol da advocacia, quais merecem mais destaque?
São diversas iniciativas. Cito como exemplo uma luta nossa na defesa da presença dos advogados nos processos de conciliação. Outra luta da Ordem é contra a criação de cursos de tecnólogo jurídico. A OAB vem denunciando a criação de faculdades de Direito sem nenhum compromisso com a boa formação do bacharel. Nós temos hoje no Brasil mais faculdades de Direito do que a soma de faculdades de Direito no resto do mundo. Agora, o Ministério da Educação criou essa figura que é a do tecnólogo jurídico. Já existem milhões de bacharéis que não tiveram formação adequada, que chegaram ao final do curso e descobriram que a instituição de ensino não lhes ofereceu condições de se tornar bons profissionais. Ao lado disso, vamos ter essa figura completamente extravagante que nada vai contribuir com a formação do Direito, da Justiça no Brasil, autorizada pelo Ministério da Educação? Tivemos também nove medidas impedindo a atuação de entidades que ofereciam ilegalmente serviços jurídicos. Verdadeiros estelionatos moldados através de ofertas de serviços jurídicos por associações que passam ao largo do controle da própria Ordem, inclusive no que diz respeito ao controle da ética dos profissionais ligados à associação.
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Advogado em São José do Rio Preto