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Diário de Classe: Mesmo que a lei seja clara, sempre cabe…um enunciado: bingo!

Advogado em Rio Preto | Amorim Assessoria Jurídica > ADI  > Diário de Classe: Mesmo que a lei seja clara, sempre cabe…um enunciado: bingo!

Diário de Classe: Mesmo que a lei seja clara, sempre cabe…um enunciado: bingo!

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Vimos debatendo essa temática acerca da fabricação de enunciados. Escrevemos várias colunas (ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui). O calcanhar de Aquiles dos fóruns de fabricação de enunciados é, justamente, o cerne da democracia, qual seja, a (ausência de) legitimidade.

Se há três Poderes na República (embora Janot diga que tem muito bambu ainda para lançar flechas, de cujo resultado não se sabe se sobrarão os Poderes atuais), por qual razão um deles, o Judiciário, auxiliado por competentes e ilustres advogados e professores, pensa que pode fazer mais ou melhor do que o legislador? Essa é a resposta que deve ser dada. Simples assim.

Não se trata nem de órgão jurisdicional, mas sim de reunião eventual de magistrados, sem efeito vinculante, que sequer produzem a fundamentação das pomposas teses despejadas. O problema é que não basta decidir sobre o enunciado, porque será necessário estabelecer o trajeto, as teses debatidas, enfim, propiciar que o leitor democraticamente possa concordar com a ratio decidendi.

Até porque podem surgir novas teses, novos fatos, justamente para que se possa operar na lógica do distinguishing e do overruling (ver aqui). Neste ponto, algumas súmulas vinculantes são até mais legitimas, por duas razões: a uma, porque há previsão constitucional para o STF editá-las; a duas, na súmula constam os casos precedentes que a formataram.

Embora a pretensão de ambas seja a mesma, isto é, são conceitos formados para decidir “coisas” que ainda não aconteceram. São uma imitação perversa do common law: lá, os precedentes (quando se faz um enunciado, não vão nos dizer que não estão sonhando com o common law? Hein?) não nascem precedentes. Não há, como aqui, uma certidão de nascimento do enunciado…

É como bem nos lembra Francisco José Borges Motta, que estuda profundamente a obra de Ronald Dworkin: no contexto do common law, os precedentes não têm, por si, força de promulgação. Cabe ao juiz – e aqui, vale dizer, ao juiz ou Tribunal dos casos subsequentes – “limitar o campo gravitacional das decisões anteriores à extensão dos argumentos de princípio que foram necessários para justificá-las”.[1] Ora, se é esta a lógica que se aplica ao stare decisis legítimo do common law, que dizer dos enunciados brasileiros?

Mais do que isso, pode-se até propor uma brincadeira a partir da palavra enunciado. Nesse contexto, observemos, ela não tem um significado de adjetivo, mas de substantivo. E o fato é que tanto os mais variados dicionários de língua portuguesa quanto qualquer breve pesquisa no campo da linguística dirão que um enunciado deve estar sempre associado –e só formará seu sentido completo se assim o for – ao… contexto em que se insere!

Veja bem: um enunciado, dissociado do contexto em que proferido, é incapaz de alcançar condições mínimas de sentido. Não é difícil perceber, pois, que os enunciados de nossos órgãos, os verdadeiros conceitos sem coisa, se pretendem prescritivos sem que se apresente legitimamente o contexto sob o qual foram construídos em primeiro lugar.

Ressaltamos: é claro que os magistrados e professores estão todos de boníssima-fé; não se trata disso. Trata-se, sim, da ausência de legitimidade e fundamento democrático para dar a dimensão — que alguns dão — de fonte para decisão em nome dos princípios da oralidade, celeridade, simplicidade e eficiência. Só que há um abismo — porque a decisão, revisada em cadeia, é ausente de motivação: cita-se o Fonaje (para falar só deste locus emissor) para não motivar, e o Fonaje não diz os motivos dos enunciados. Basta consultar o site para verificar.

Na verdade, o juiz indefere com base no que decidiu o Fonaje, Fonacrim, Enfam, CJF (quem mais faz enunciados? – lembremos das OJ do TST e as súmulas de cada tribunal…!), que não dizem as razões pelas quais chegaram à conclusão. Diretamente: “Indefiro o pedido com base no Enunciado X do Fonaje” constitui-se como uma fraude democrática por ser impossível saber a motivação. Nem é necessário dizer mais nada sobre isso. É autoexplicativo.

Vivemos um paradoxo: os fóruns de enunciados parece quererem voltar ao século XIX. Estão com saudades do direito do século XIX. Sim, naquele século se buscava respostas antes das perguntas. Havia uma saudade da cartografia pré-estabelecida pela metafísica clássica.

O direito feito pelo legislador, na França; o direito feito por professores, na Alemanha; o direito feito por precedentes (tão duros e herméticos como a lei no exegetismo e as pandectas na jurisprudência dos conceitos, oriundos de um direito judiciário que era tão criticado, veja, já à época por Jeremy Bentham – e aqui, em 2017, parecemos retornar a isso…), na Inglaterra.

Com todos os avanços paradigmáticos, os juristas adoram, ainda hoje, fazer enunciados. O que são enunciados? Conceitos sem coisas. Enfim, nada mais, nada menos do que a tentativa metafísica de encontrar respostas antes das perguntas. O Brasil, por vezes, parece esquecer que já não é de agora que não mais operamos em um paradigma metafísico ontoteológico (parece um palavrão, mas é necessário deixar isso bem assentado[2]).

Dia desses, dois juízes fizeram críticas a um dos articulistas (Lenio Streck), invocando o grande Friedrich Müller. Diziam que os enunciados estavam na linha da teoria de Müller. Como convencer os dois magistrados – ativos participantes dos fóruns de enunciados – que isso não era correto?

Fazendo como Alvy Singer em Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), de Woody Allen. Interpretado pelo próprio Woody Allen, o personagem, ao ouvir, na fila do cinema, um homem criticando a obra de Marshall McLuhan, rebate as críticas trazendo… o próprio McLuhan. Streck, como Alvy, buscou no próprio Müller a confirmação de que estava certo. Quem quiser ler sobre isso, deve urgentemente acessar este texto, já trazido em exemplo ao início da coluna.

Enquanto isso, pensamos em fazer contra-enunciados (CE). Estilo guerrilha. Por exemplo:

CE 1 – Os enunciados não estabelecem o trajeto hermenêutico e, assim, violam a regra do art. 489, do NCPC; logo, são ilegais.

CE 2 – Os enunciados são estabelecidos por comunidades ad hoc, razão pela qual não têm legitimidade.

CE 3 – Os enunciados são descartáveis, porque a cada congresso, novos enunciados devem (e podem, e serão) ser produzidos.

CE 4 – Enunciados deveriam vir com prazo de validade, até o próximo congresso, reunião ou petit comité.

CE 5 – Enunciados devem ser proposição com sentido; não sem sentido; enunciados são conceitos sem coisas; proposições não substituem o mundo.

CE 6 – Os enunciados não podem deixar os juristas eunuqueados.

CE 7 – “Enunciados não aprovados por unanimidade ou maioria…”. Então a verdade exsurge do consenso? Congressos e workshops são o locus da verdade? – este é o primeiro CE em forma de pergunta.

CE 8 – Cada enunciado tem de ter uma tarja: este enunciado não tem força vinculante (mas não pode existir um aviso, abaixo, em letras que ninguém consegue ler, a não ser com lupa, a inscrição: embora queira ter, e este seja o grande problema);

CE 9 – Obrigatoriamente, também deve constar a advertência: “este enunciado é contraindicado nos casos em que a lei diz o contrário!” – e este é o enunciado “bingo!”.

CE 10 – Os fóruns devem fornecer um SACE (Serviço de Atendimento ao Consumidor de Enunciados).

CE 11 – Arnaldo Cesar Coelho não pode ser convidado a nenhum workshop, por ser anti-enunciado.

É isto. Voltaremos ao assunto. Enquanto isso, nos perguntamos e pedimos para os leitores refletirem: por qual razão ainda temos um legislador e uma Constituição? Afinal, com tantos workshops e fóruns de produção de enunciados, não seria melhor aceitar de vez a tese de que “o direito legislado só vale se reinterpretado por um enunciado?

 


[1] MOTTA, Francisco José Borges. Levando o Direito a Sério. 2ª ed, ver. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 183-184.

[2] Nesse sentido, ver Dicionário de Hermenêutica, de Lenio Streck, Editora Casa do Direito, 2017.

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.

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Advogado em São José do Rio Preto

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