Criação de regras para convocação de juízes espera STF há três anos
[ad_1]
A decisão do Conselho Nacional de Justiça que obrigou o Tribunal de Justiça de São Paulo a criar critérios para designar juízes auxiliares na capital paulista completa três anos de suspensão nesta terça-feira (18/7). Atualmente, essas escolhas partem da Presidência do tribunal paulista, que considera para a seleção o estágio da carreira em que os candidatos estão, que deve ser de entrância intermediária.
Em 2013, o CNJ deu 60 dias ao TJ-SP para que fossem definidos critérios a ser aplicados na escolha de julgadores auxiliares nas comarcas da capital. A decisão foi tomada depois de representação do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, que, à época, trabalhava como auxiliar na capital em plantões criminais.
Mas liminar proferida em 2014 pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança 33.078 suspendeu a aplicação da determinação do CNJ. O MS está pronto para ser julgado pela relatora, a ministra Rosa Weber, mas não tem qualquer andamento desde janeiro deste ano. Só depois que a ministra enviar o caso para pauta é que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pode escolher um dia para julgá-lo.
O tema foi levado ao CNJ após uma representação contra o julgador ser apresentada à Corregedoria-Geral do TJ-SP por 17 promotores de Justiça de São Paulo. Corcioli foi acusado pelos signatários de não ler os autos e de fazer fundamentações genéricas em suas decisões.
Segundo os promotores, o juiz não considerava todos os critérios previstos em lei, como reincidência e antecedentes, quando decidia sobre pedidos de conversão de prisões em flagrante em preventivas. Corcioli também foi acusado de emitir pré-julgamentos sobre crimes relacionados a tráfico de drogas em um blog que mantinha, e que não existe mais.
“Há inúmeras decisões contra legem, em que o magistrado, em caso de estupro de vulnerável, sem qualquer previsão legal, reduziu a pena do sentenciado em dois terços e, em outro caso, envolvendo tráfico de drogas, sendo o acusado reincidente, aplicou a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, que expressamente veda sua aplicação nesta hipótese”, afirmaram os promotores, na representação.
O juiz negou todas as acusações e acusou os 17 signatários de usar a representação para constrangê-lo e tentar forçá-lo a abandonar posições garantistas. “Mais parece que os signatários não se conformam com o conteúdo das decisões prolatadas por este magistrado, fruto de seu livre convencimento de acordo com a prova dos autos e alegações das partes, decisões essas que, muitas vezes, contrariam as pretensões deduzidas nos autos pelos ilustres membros do Ministério Público, desagradando-os”, criticou.
Depois da representação, Corcioli, que atuou como defensor público na área criminal, foi removido da 12ª Vara Criminal Central da Capital para a 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Jabaquara, onde trabalhou por três dias, sendo novamente transferido para a 4ª Vara Cível de Jabaquara.
Conveniência da administração
Ao questionar seu afastamento da área criminal, em troca de e-mails com a assessoria da Presidência do tribunal, o magistrado obteve a resposta de que a medida foi tomada para “preservá-lo e também preservar o TJ-SP”.
“A discricionariedade por opção da presidência do TJ-SP, em harmonia à posição da Corregedoria-Geral da Justiça, seria justamente para a sua preservação até o desfecho do tema […] Pode acreditar que há fundamento em dentro do Direito Administrativo de conveniência da Administração Pública para tal”, afirmou Marcelo Lopes Theodosio, juiz auxiliar da Presidência do TJ-SP.
Tempos depois, a representação contra Corcioli foi arquivada, por unanimidade, pelo Órgão Especial da corte paulista. Em manifestação sobre o caso, o então corregedor-geral do TJ-SP e atual secretário de Educação do governo paulista, José Renato Nalini, opinou pelo arquivamento do pedido dos promotores de Justiça, “uma vez que se trata de revisão de atividade jurisdicional na esfera administrativa”.
“A decisão judicial, certa ou errada, tem o recurso processual como via adequada para seu reexame. Somente no âmbito do Tribunal de Justiça poderá se dizer se as providências determinadas pelo magistrado são adequadas, ou se configuram atuação indevida ou despropositada”, complementou o então corregedor.
Com o arquivamento da representação, o magistrado fez novo questionamento à administração do TJ-SP para saber se estava livre para atuar em plantões criminais, mas não recebeu resposta. Então levou o caso ao CNJ.
8 a 6
Por oito votos a seis, o CNJ aceitou parcialmente a representação de Corcioli, autorizado-o a voltar a atuar em plantões criminais. Também determinou ao TJ-SP a criação de critérios objetivos para designação de juízes auxiliares na comarca da capital.
Ao se defender no CNJ, o tribunal paulista explicou que os critérios não foram definidos, pois a Lei Complementar 908/2005, que regula as designações, não estipulou essa obrigação e também porque a necessidade da corte é muito complexa, podendo ser engessada pela criação de normas muito específicas.
À época, segundo dados do TJ-SP, a corte tinha 290 juízes auxiliares e 590 titulares na capital; no interior, eram 250 magistrados auxiliares — ao todo, eram 2 mil julgadores. Atualmente, são 2.547, segundo o Anuário da Justiça São Paulo 2017, e, desse total, 231 são auxiliares na capital.
Esses argumentos foram aceitos no voto divergente da conselheira Gisela Gondin Ramos. Com base nas especificidades do TJ-SP para ter juízes auxiliares, ela afirmou que a “alocação dos juízes auxiliares da Capital segue obrigatoriamente notório fluxo de demanda e necessidade”.
Porém, ao deferir parcialmente o pedido de Corcioli, o CNJ destacou ser preciso manter certa rigidez nas designações de juízes — por meio de tema ou local específico — para prestigiar o princípio do juiz natural e a independência judicial. “A designação de magistrados com grau máximo de discricionariedade, sem critérios objetivos, impessoais e pré-estabelecidos para a movimentação dos juízes afronta a garantia da inamovibilidade, o princípio do juiz natural e vulnera a independência judicial, sendo necessária a regulamentação da matéria.”
Para o conselho, o afastamento de Corcioli “teve a natureza de providência cautelar disciplinar”. “A saída do magistrado da jurisdição criminal/infracional no Fórum Criminal Central de São Paulo foi motivada exclusivamente pela apresentação, por alguns membros do Ministério Público local, de uma representação disciplinar contra o requerente perante a corregedoria local”, disse.
Consta do voto vencedor do julgamento que é proibido afastar cautelarmente magistrados antes da instauração de processo administrativo disciplinar, conforme determina o parágrafo 1º do artigo 15 da Resolução 135 do CNJ. Esse entendimento foi referendado pelo Plenário do STF no julgamento de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.638.
“O afastamento preventivo de magistrados do exercício da jurisdição na fase preliminar de apuração de infrações funcionais enseja riscos de prejuízo ao juiz como o que se verificou na hipótese dos autos na qual o requerente foi afastado da jurisdição criminal em razão da propositura de uma representação disciplinar que, ao final, acabou arquivada pelo Órgão Especial da Corte paulista”, exemplificou o CNJ.
Pacto federativo
A decisão determinando a definição de regras para designar juízes auxiliares fez com que o TJ-SP recorresse ao próprio CNJ, mas o pedido também foi negado. Essa negativa motivou questionamento ao Supremo, quando foi apresentado o MS 33.078.
Ao suspender os efeitos da decisão do CNJ, Lewandowski, que era o vice-presidente do STF, argumentou que houve afronta ao pacto federativo e à autonomia do TJ-SP para organizar sua estrutura judiciária interna. “Cumpre salientar que a mudança do dispositivo legal em apreço dependeria da iniciativa do Tribunal local e da sensibilização do Poder Legislativo daquele Estado-membro para a causa que se defende no pedido de providências”, afirmou.
Segundo o ministro, se o próprio CNJ admite que “a formulação das regras e dos critérios que serão utilizados pelo Tribunal para as designações dos juízes auxiliares da capital, desde que objetivos e impessoais, são de sua competência, de acordo com o artigo 96, inciso I, alínea a da Constituição, não poderia determinar ao Tribunal de São Paulo que editasse ato normativo secundário que a Lei Complementar de 2005 não exigiu”.
Os argumentos de Lewandowski foram rebatidos pelos inúmeros amici curiae que ingressaram na ação. Em parecer, Paulo Virgílio Afonso da Silva, professor de Direito Constitucional da USP, afirmou que a falta de imposição de critérios pela Lei Complementar 980/2005 para escolha de juízes auxiliares não tem sentido.
“Se isso fosse assim, o mesmo valeria na relação entre a Constituição e a legislação ordinária, isto é, somente haveria regulamentação pela lei quando a própria constituição assim previsse. Uma leitura bastante rápida da constituição seria suficiente para fornecer centenas de exemplos de dispositivos que não fazem qualquer menção a atividade legislativa ou regulamentar inferior mas que, sem essa atividade, não conseguem produzir os efeitos desejados”, opinou.
Todos contra
O Tribunal de Justiça de São Paulo parece estar sozinho em seu posicionamento na ação. Do outro lado da causa, a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União, a Associação Juízes pela Democracia (AJD) e as organizações sociais Conectas Direitos Humanos e Artigo 19 são contra o provimento do mandado de segurança.
Segundo a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, as transferências de juízes auxiliares entre varas e comarcas variadas são válidas desde que ocorra dentro dos limites da capital paulista. Sendo assim, argumenta, a inamovibilidade, que é prerrogativa da magistratura, é atendida conjuntamente com os interesses da administração pública.
A PGJ-SP afirmou também que o uso do verbo “disciplinar” no texto da LC 908/2015 é feito no sentido de “organização, ordenação, acomodação”. Disse ainda que a decisão do CNJ extrapolou a competência do órgão, que deve apenas rever “eventuais designações (atos administrativos) contaminadas pelo favoritismo, perseguição ou pelo acossamento (esse, no tema em discussão, seu espaço de influência)”.
“Mas não ao arrepio da competência estadual, da legislação estadual e do poder de autogoverno da Justiça paulista, exigir a regulamentação da movimentação dos juízes auxiliares da capital”, complementou a PGE-SP.
Sem ilegalidade
Apesar dos argumentos, a AGU disse que a decisão questionada foi tomada “dentro dos estritos limites constitucionais e legais de atuação daquele Conselho Nacional de Justiça”. Sobre a concessão da liminar, disse que não houve o periculum in mora porque o CNJ apenas exigiu que as regras fossem criadas pelo TJ-SP, sem determinar quais e como deveriam ser essas normas.
Em relação ao argumento da complexidade da estrutura funcional dos magistrados da corte, a AGU destacou que os imprevistos do cotidiano e as necessidades pontuais do tribunal em nada impedem a “fixação de critérios objetivos e impessoais para as designações dos Juízes auxiliares”.
“Defender a possibilidade de uma discricionariedade absoluta pode levar a subtrair de determinado magistrado a análise de certa matéria, dando azo a afastamentos informais”, afirmou a AGU.
A PGR também se manifestou contra a falta critérios para designação de juízes auxiliares. “A normatização das designações de juízes auxiliares no âmbito da Comarca da Capital não é incompatível com a boa gestão e a eficiência. Necessária limitação do poder discricionário e observância dos princípios que regem a administração pública (CF, art. 95, II, art. 5º, LIII, e art. 37)”, afirmou o órgão, em parecer no processo.
Citou como exemplo de entendimento pacificado o MS 27.958, relatado pelo próprio Ricardo Lewandowski. “A inamovibilidade é, nos termos do artigo 95, inciso II, da Constituição Federal, garantia de toda a magistratura, alcançando não apenas o juiz titular, como também o substituto”, disse a corte à época da ação.
Patrulhamento ideológico
Por trás desse embate jurídico que também envolve a administração do Poder Público, alguns amici curiae na ação levantam a hipótese de patrulhamento ideológico pelo TJ-SP. Segundo eles, a corte usa meios administrativos para afastar da área criminal juízes garantistas, que, apesar de seguirem estritamente o que diz a lei, seriam considerados menos rígidos com criminosos.
Em seu parecer, Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da USP, é claro nesse ponto: “Nada mais contrário à inamovibilidade do que permitir que uma reclamação de partes processuais, por puro patrulhamento ideológico, leve ao afastamento de um magistrado de suas funções, e a uma ‘sanção moral’ de não mais poder atuar em determinadas áreas, em razão de descontentamento de representantes do Ministério Público com o teor das decisões proferidas pelo magistrado […] devidamente fundamentadas e justificadas, mas que seguem a opinião de doutrinadores alinhados ao assim denominado ‘garantismo penal’”.
Já para a Conectas Direitos Humanos, o caso de Corcioli tem motivação ideológica, pois a possibilidade de designação política do magistrado auxiliar “gera também perseguições daqueles juízes que possuem convicções diferentes de quem os designa, tendo impacto direto e imensurável para a sociedade”.
Em manifestação à ONU sobre esse caso, a Conectas afirmou que uma das causas do encarceramento em massa no Brasil é a política adotada pelo Judiciário, que “legítima prisões ilegais” e abusa das prisões preventivas. “É vital garantir a sociedade com um sistema independente de adjudicação. O controle ideológico dos juízes que rompem com a cultura da prisão deve ser banido “, afirmou.
De acordo com a ONG Artigo 19, é preciso haver transparência nos critérios de designação de juízes auxiliares para evitar o controle ideológico pelos tribunais estaduais. Segundo a organização, as cortes “podem cometer abusos em seu poder discricionário de direcionar os magistrados para varas diversas das quais foram escalados anteriormente, sem qualquer justificativa de seus atos”.
“Tal medida tem sido recorrentemente presente na atividade jurisdicional brasileira, possibilitando que magistrados com posicionamento divergente dos Tribunais sejam deslocados para varas que tenham menor visibilidade ou influência”, complementou.
A AJD citou, entre seus argumentos, que apresentou, em 2013, requerimento ao TJ-SP para que fossem delimitados critérios para escolha de juízes auxiliares. Mas o pedido foi negado, o que levou a entidade ao CNJ. A peça apresentada no MS 33.078 para entrar com amicus curiae foi assinada pela juíza Kenarik Boujikian.
Caso similar
A própria juíza, que atuava como substituta na segunda instância paulista, foi punida por sua atuação no tribunal. Ela recebeu, em fevereiro deste ano, pena de censura por ter concedido, sem consultar o colegiado, a liberdade a réus que estavam presos preventivamente por mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças.
O Órgão Especial do TJ-SP, por 15 votos a nove, entendeu que a magistrada não adotou “cautelas mínimas” antes de ter expedido alvarás de soltura em pelo menos três ocasiões. As decisões foram proferidas quando ela integrava a 7ª Câmara Criminal do TJ de São Paulo.
Antes disso, cinco desembargadores do TJ-SP enviaram pedido à presidência do tribunal para que ela deixasse de atuar na 7ª Câmara de Direito Criminal: “Vimos pelo presente, mui respeitosamente, solicitar a Vossa Excelência a dispensa do auxílio a ser prestado pela doutora Kenarik Boujikian, juíza substituta em segundo grau, em virtude de não ter correspondido às expectativas de produtividade no acompanhamento das diretrizes e entendimentos consolidados por nós, desembargadores titulares de cadeiras desta colenda 7ª Câmara de Direito Criminal”, afirmaram Roberto Mortari, Jair Martins, Camilo Lellis, Amaro Thomé e Fernando Simão.
Após a imposição da pena, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) criticaram a decisão do TJ-SP afirmando que a medida viola a independência judicial. Esse entendimento do tribunal paulista também levou esse caso ao CNJ, fazendo com que o concurso para duas vagas de desembargador na corte fosse suspensa pelo conselheiro Carlos Levenhagen até que o CNJ analise punição aplicada a Kenarik Boujikian.
[ad_2]
Advogado em São José do Rio Preto