Check list: 21 razões pelas quais já estamos em Estado de exceção
[ad_1]
Valho-me do livro que melhor analisa, para além de Agamben, o problema do que se pode chamar de Estado de exceção nestes tempos conturbados. Falo de Autoritarismo e golpes na América Latina — Breve ensaio sobre jurisdição e exceção, de Pedro Serrano, para quem o Brasil vive um momento perigoso de crescimento acelerado de medidas próprias de um Estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente e, o que é mais grave, naturalizadas. Nossa incipiente democracia vai assim se esfacelando e se transformando em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado Democrático, mas ao invés de ampliar e efetivar direitos, suprime-os paulatinamente, conclui Serrano.
O Estado de exceção ocorre quando determinadas leis ou dispositivos legais são suspensos (no sentido de não serem aplicados). Ou seja, alguém com poder põe o direito que acha adequado para aquele — e cada — caso. O soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção, diz Carl Schmitt. Para ser generoso, poderia aqui falar de um “Estado de Exceção Regional(izado)”, isto é, ao menos em uma área sensível do Brasil já vivemos esse fenômeno denunciado por autores como George Agamben. Quando se suspende uma lei que trata de direitos e essa suspensão não tem correção porque quem tem de corrigir e não o faz ou convalida a suspensão, é porque o horizonte aponta para a exceção.
Vou elencar alguns tópicos que compõem uma espécie de check list para saber se estamos ou não perigosamente na tênue linha do Estado de exceção. Assim, pode-se dizer que estamos em Estado de exceção quando
1. a advocacia se torna um exercício de humilhação cotidiana;
2. indício e presunções viram prova, prova é transformada em uma mera crença e juiz condena réu a longa sentença (reformada) baseado em meros relatos de delatores;
3. faz-se condução coercitiva ATÉ de advogado, em flagrante violação do CPP e da CF;
4. advogado é processado por obstrução de justiça porque aconselha seu cliente a não fazer colaboração premiada;
5. ocorre divulgação (seletiva ou não) de gravações resultantes de intercepções não autorizadas; isto é, quando a GloboNews e o Jornal Nacional sabem antes do próprio réu;
6. arquiva-se, com argumentos de política e não de princípio, representação contra quem procedeu — confessadamente — a divulgação da prova ilícita;
7. ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça confessa que foi conivente com vazamento, sob o argumento de que a ilegalidade era para o bem;
8. o MP faz denúncia criminal considerada por Tribunal Regional Federal como coação ilegal (assim, literalmente) e isso não acarreta repercussão nos órgãos de fiscalização do MP;
9. membros do Ministério Publico e do Judiciário se manifestam em redes sociais (tomam lado) confessando parcialidade e incitando a população contra o Tribunal Superior Eleitoral, face a julgamento com o qual não concordam;
10. agentes políticos do Estado vendem, por intermédio de agenciamento comercial, palestras por altos valores, autopromovendo-se a partir de processos judiciais das quais são protagonistas;
11. ocorre a institucionalização da ausência de prazo para prisões preventivas (há casos de prisões que ultrapassam a dois anos, usadas para forçar delações premiadas e acusados (ou indiciados) “aconselhados” a trocarem de advogado, para contratarem causídicos “especialistas” em delação;
12. juiz constrói um Código de Processo Penal próprio, a ponto de, no bojo de uma sentença de um réu, dar incentivo condicionado à delação de um outro réu, tudo à revelia da lei e do CPP;
13. se institucionaliza a dispensa dos requisitos do artigo 312 do CPP para decretação de prisão preventiva; lei vale menos que o clamor popular;
14. um agente político do Estado troca de lado no combate ao crime: em linguagem ludopédica, é um craque — sai do ataque e vai para a defesa;
15. delações concluídas e homologadas à revelia da legislação, inclusive com cumprimento de penas que-não-são-penas porque não houve julgamento; ou seja, o prêmio da delação premiada é recebido antes do processo;
16. “normalização” do lema “se delinquir, delate” (conforme bem denuncia o jornalista Vinicius Mota): “está aberta a via para um ciclo de delações interminável e potencialmente infernal, porque composto de informações de difícil comprovação”; lambuzamo-nos com o melado recém-descoberto, diz Mota;
17. perigo de se institucionalizar uma espécie de “lavagem de prova ilícita”, isto é, a legitimação de delações sem denúncia e “constitucionalização” da possibilidade de uso de prova ilícita (por exemplo: o sujeito, via prova ilícita de raiz, chega ao MP e faz acordo; com esse acordo, recebe imunidade; depois essa prova estará “lavada” e o judiciário não mais poderá anulá-la);
18. naturalização de decisões que decretam prisões baseadas em argumentos morais e políticos;
19. naturalização de denúncias criminais baseadas em construções ficcionais; enfim, decisões (atenção: o ato de denunciar alguém[1] já é uma decisão) que deveriam ser baseadas no Direito não passam de escolhas baseadas em opiniões morais e políticas;
20. como se fosse candidato a senador ou presidente da república, candidato a PGR diz que precisamos de uma reforma política…, mostrando, assim, que alguma coisa está fora de ordem nas funções estatais;
21. por último, estamos em Estado de exceção Regional (EER) quando todos os itens acima não causam indignação na comunidade jurídica e parcela majoritária dela os justifica/naturaliza pelo argumento de que “os fins justificam os meios”.
A lista pode ser estendida. São sintomas. Cada leitor pode fazer a sua. O que aqui foi exposto é simbólico. Tudo começou com o ativismo e a judicialização da política… para chegar ao ápice: a politização da justiça.
Imparcialidade e impessoalidade: eis o que se espera de quem aplica o direito. E isso já se erodiu. Quando jornais como O Estado de S. Paulo começam a exigir o cumprimento de garantias e criticar as delações, é porque de há muito começou a chover na serra… a planície é que não se deu conta — aqui parafraseio Eráclio Zepeda.
Juristas viraram torcedores. E torce-se o Direito à vontade. Vontade de poder (Wille zur Macht). A mídia faz a pauta (des)institucional. O Direito desaparece(u). Lewis Caroll — em Alice Através do Espelho — inventou/denunciou, bem antes de Agamben e Schmitt, o sentido de Estado de exceção. O soberano, que decide no Estado de exceção, dá às palavras o sentido que quer, como o personagem Humpty Dumpty. Por isso, o prazo para a prisão é aquele que quem tem poder de dizê-lo, é. A fundamentação também é aquela que…! E pode fazer condução coercitiva… porque sim. Até de advogado. E pode…tudo. Desde que tenha o poder. Próximo passo: dispensa de advogado nos processos judiciais. Futuro: Privatização da ação penal — se o réu confessar logo, nem denúncia haverá. E delegado terá o poder de mandar recolher o indiciado diretamente à prisão.
O engraçado de tudo isso é que, face a este estado da arte, defender a estrita legalidade virou um ato revolucionário. Tenho dito isso em todas as minhas palestras não-remuneradas.
Post scriptum I: Onde deve sentar o advogado? Resposta do Pe. Bartolomeu
A Câmara aprovou o Projeto de Lei 4.850, de 2016, com importantíssimas conquistas no plano da garantização das prerrogativas da profissão de advogado. Mas, nem tudo são flores no projeto. Por exemplo, não sei o que os deputados que aprovaram a emenda no artigo 7, XXII, do Estatuto da OAB, queriam ou querem. Só sei que foi à revelia da OAB. Com a alteração proposta no projeto, o advogado passa a sentar na mesma altura do Ministério Público (ao que entendi). Viva, dirão os advogados… Mas, se lermos todo o dispositivo, veremos que ambos sentarão… abaixo do juiz. Verbis:
“Durante as audiências, o advogado sentar-se-á à esquerda do juiz, ao lado de seu cliente, e a parte adversa tomará assento à sua direita, ambos em igual posição, horizontal ou perpendicular, abaixo do magistrado”.
(Não)Bingo: até agora, os advogados estávamos formalmente no mesmo nível dos juízes e MP; agora, estamos legalmente abaixo do juiz. Ao que vi, os deputados, para igualarem os advogados ao MP, puxaram este para baixo e deixaram o juiz acima dos dois. Poxa. Mais uma vitória destas e estaremos totalmente lascados — exatamente o que disse o general Pirro às portas de Roma, depois de uma “grande vitória”, olhando para as suas tropas escangalhadas. No Brasil, regras de processo são feitas por regimento interno e portaria; já o lugar de sentar é regulado por lei. Logo, logo vem um PEC para colocar o advogado para fora da audiência. Podíamos também regular a gravata, a sua cor, o cabelo do causídico e coisas desse jaez…
Quase ia esquecendo. A propósito do lugar de sentar, a amiga Andrea Bispo, do longínquo e simpático Pará, chama a atenção para este trecho do Memorial do Convento, de Saramago, página 65, que deveria ser lido pelos senadores quando da votação naquela casa:
“Baltasar recuou assustado, persignou-se rapidamente, como para não dar tempo ao diabo de concluir as suas obras, Que estás a dizer, padre Bartolomeu Lourenço, onde é que se escreveu que Deus é maneta, Ninguém escreveu, não está escrito, só eu digo que Deus não tem a mão esquerda, porque é à sua direita, à sua mão direita, que se sentam os eleitos, não se fala nunca da mão esquerda de Deus, nem as Sagradas Escrituras, nem os Doutores da Igreja, à esquerda de Deus não se senta ninguém, é o vazio, o nada, a ausência, portanto Deus é maneta. Respirou fundo o padre, e concluiu, Da mão esquerda.”
Portanto, muito cuidado em pedir para sentar do lado esquerdo. Se me entendem as implicaturas de tudo o que aí está dito. E não dito.
Post Scriptum II: A ConJur transmite o colóquio sobre positivismo, organizado por mim na Unisinos nesta quinta-feira (29/6) e sexta-feira (30/6).
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.
[ad_2]
Advogado em São José do Rio Preto