A tecnologia vai impactar o Direito e seus profissionais
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Na Conferência promovida pela International Association for Court Administration (IACA) e a National Association for Court Management (NACM), em Washington, Estados Unidos, de 9 a 13 de julho passado, uma das palestras deixou-me em dúvida se estava mesmo em 2017 ou se havia acordado em 2050. Refiro-me à fala do professor Gary Marchant em sua excelente palestra sobre “Tendências emergentes impactam a Justiça ao redor do mundo”.
Diante das inovações tecnológicas que já estamos vivendo reagimos com uma mescla de encantamento e medo. Automóveis que andam sozinhos, veículos que cruzarão o espaço, operações cirúrgicas à distância, tudo isto mostra um cenário que foge ao nosso controle.
O mundo do Direito, que é o nosso ambiente, não pode ficar alheio a todas essas transformações. E muito menos se iludir, pensando que a legislação coibirá excessos e garantirá um mínimo de empregos e serviços. Não. A tecnologia é avassaladora e, tal qual um furacão, passará indiferente ao que venha a ser decidido no território por onde passa. Vejamos os primeiros sinais dessas transformações.
Barbara Kansky, síndica de um condomínio de 350 hectares, com 398 casas, em Devon Wood, Braintree, Massachussets, EUA, tinha um problema: os dejetos de cachorros. Por deliberação em assembleia do condomínio, recolheu-se o DNA de todos os cães. Após esta providência, cada vez que se encontrava um excremento nas áreas comuns, passou a ser feito um exame de DNA e com ele identificar o dono do animal. A sanção: multa de US$ 100 mais US$ 50 do exame.[i]
Na cidade de Pinhais, no Paraná, um casal acionou uma pequena indústria que, ao lado de sua casa, produzia ruídos durante toda a noite, impossibilitando-lhes de dormir. O pedido era de cessação do funcionamento no período noturno e indenização por dano moral. A prova principal, mencionada na sentença de procedência, foi um vídeo filmado pela autora, com seu celular, demonstrando o ruído excessivo e provando o horário através de filmagem de programa de TV na madrugada.[ii]
Situação curiosa ocorreu em Fênix, Arizona (EUA). Um homem trabalhava em um call center. Ao chegar em casa, ficava 8 horas no computador, no programa Second Life. Nele, cada um cria o seu personagem (avatar), da maneira como quiser. Através do personagem, passou a fazer negócios virtuais e a ganhar mais dinheiro neles do que no seu modesto emprego. Mas, eis que começou a se relacionar com outra avatar. E o novo casal passeava, ia ao supermercado, tinha um cachorro, pagava a hipoteca de imóvel, etc. Sua esposa não gostou dessa união virtual e processou-o por adultério e bigamia.[iii]
Há duas décadas um sistema de monitoramento por satélite, chamado de Vessel monitoring systems (VMS), fiscaliza embarcações de pesca com grande sucesso. Eles auxiliam os gestores e as autoridades responsáveis pela fiscalização no rastreamento das atividades dos navios licenciados, inclusive “aumentam a eficiência e eficácia dos ativos aéreos e de superfície convencionais — que são geralmente os componentes mais onerosos da execução — fornecendo informações críticas para rastrear restrições de área (espaciais) ou temporais (temporais) impostas pelos órgãos de administração”. [iv]
A atividade da VMS é exercida, principalmente, no Oceano Pacífico, região asiática. Mas seria muito importante estendê-la à costa marítima brasileira, onde o controle da pesca profissional é deficiente. A Marinha de Guerra, IBAMA e Polícia Ambiental dos estados, poderiam tentar firmar convênios com a VMS para alcançar tal objetivo.
O mais curioso é que essas novidades, geralmente, não são reguladas por lei. No caso da VMS há base jurídica na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, à qual o Brasil aderiu.[v] Mas em outras, as novas práticas simplesmente surgem e muito depois, são regulamentadas (por exemplo, o Uber).
Em outubro de 2015, em Bullitt County District Court, no Estado de Kentucky, EUA, a juíza Rebecca Ward rejeitou as acusações contra um pai que derrubou a tiros de carabina um drone que espionava sua filha de 16 anos, enquanto ela tomava sol na piscina de sua casa.[vi]
No Museu de Arte Contemporânea da Suíça, em janeiro de 2015, realizou-se uma exposição no Halle St. Gallen (Museu de Arte Contemporânea). Um grupo de artistas tecno criou um robô com uma sacola de compras e um orçamento de US$ 100 em Bitcoins [vii] semanalmente, para gastar com itens escolhidos aleatoriamente em um site de produtos pirata, exibidos na exposição. O trabalho e a exposição receberam ampla atenção do público e da imprensa. Apenas um problema: o robô comprou 10 pílulas de ecstasy e elas foram para a exibição. A polícia aguardou o dia 11, fim da exposição, e daí o robô foi preso, ou melhor, confiscado.
Posteriormente, ele foi liberado e o ecstasy destruído. Mas ficaram algumas dúvidas: um robô ou um software pode ser preso se cometer um crime? Quem pode ser responsabilizado criminalmente? E se um robô comprar drogas, armas ou equipamentos de pirataria e enviá-los para você, e a polícia interceptar o pacote?
Sob outro ângulo, cabe analisar como estes novos fatos podem impactar a advocacia. Um exemplo é a possibilidade de um robô atender consultas. Cria-se uma base de dados sobre determinada matéria e compila-se um grande número de decisões judiciais a respeito. Por exemplo, alimentos, onde o devedor expõe sua situação econômica e detalhes sobre a quem os deve. Feita a consulta, em minutos, o robô dá todas as possibilidades possíveis.
Segundo a revista Exame, “os softwares de última geração não só compreendem significados como também fazem correlações. Além de analisar milhões de documentos em segundos, eles sugerem decisões a ser tomadas e alertam para qualquer mudança que possa afetar o caso. É o que o ‘robô’ Ross faz, por exemplo. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, com base na tecnologia de computação cognitiva Watson, da IBM, o Ross já está ‘trabalhando’ em alguns escritórios de advocacia dos Estados Unido.”viii
Sofisticados sistemas podem, também, dar as chances de vitória de um autor em determinado tribunal. Trata-se do algoritmo, ou seja, “ a especificação da sequência ordenada de passos que deve ser seguida para a solução de um problema ou para a realização de uma tarefa, garantindo a sua repetibilidade”.[ix]
Por exemplo, o interessado indaga a um programa quais são as suas chances de vitória em Juízo, em uma ação que discuta um projeto de loteamento que tem a oposição do órgão ambiental. O sistema analisará os juízes que poderão receber a ação, as suas características, origem, família, religião, esportes que praticam, que livros leem, que palavras usam, rejeitam ou gostam, além, evidentemente, de suas sentenças. Ao final dará uma resposta com o percentual de possibilidade de sucesso e fracasso, auxiliando o investidor na adoção ou não do projeto.
Mas os tribunais, tal qual o serviço público em geral, não ficarão fora dessas mudanças. Nos Estados Unidos, um site de solução de litígios, fora dos tribunais, afirma ser a alternativa mais barata e fácil para a solução de conflitos. As partes acessam o site e expõem suas posições. Avalia-se o conflito através de um processo interativo. Faz-se uma negociação on line através de facilitadores. Se não houver acordo, decisão por árbitro. Os autores desse serviço reivindicam o fim do monopólio de Justiça, segundo eles, exercido há séculos pelo Poder Judiciário. Novos tempos, com certeza.[x]
Como se vê, já estamos em uma nova era e os desafios para os profissionais do Direito são muitos. Para os que, como eu, são do tempo em que TV era em preto e branco, telefone ficava em cima da mesa e o Simca Chambord era o máximo, ainda é um pouco mais difícil. Mas, nos adaptaremos todos e venceremos a batalha.
ii Processo 0001048-54.20128.160033, Pinhais, Elias Costa Nunes e s/m. x Qualy Plast Indústria e Comércio de Embalagens Ltda., sentença 9/3/2015, acesso 7/8/2017.
vii Bitcoin é um tipo de moeda virtual, utilizada em pagamento de transações financeiras feitas por via eletrônica e que não estão sujeitas ao controle de nenhum órgão regulador.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
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Advogado em São José do Rio Preto